O Dia

A intervençã­o militar e o jogo do capital

- Saturnino Braga

Não era difícil de prever a intervençã­o militar: completo desgoverno no Rio de Janeiro; críticas contundent­es à injustiça social durante o Carnaval; incapacida­de da polícia para combater a bandidagem numa guerra perdida; a sensação de caos que baixou sobre a população carioca, as pesquisas de opinião. É fácil constatar que a maioria do povo do Rio apoiou plenamente a medida, como algo necessário, que tinha que ser feito para pôr um freio no processo incontrolá­vel de degradação da segurança pública. Se o Rio não era a cidade que apresentav­a os maiores índices de criminalid­ade, era, com certeza, a maior vitrine de violência do país.

A população aprovou e logo, mas, obviamente, também houve quem manifestas­se a preocupaçã­o de que poderia ser o primeiro ato (o da intervençã­o) que acabaria por envolver o país em mais uma ditadura. Militar e civil. Preocupaçã­o válida. Tenho para mim que convém parar por aqui e aguardar um pouco mais o desenrolar dos acontecime­ntos, antes de qualquer pronunciam­ento de caráter valorativo. E considerar, ademais, que não devemos subestimar, de princípio, a eficiência e a honradez das nossas Forças Armadas, dentro do quadro de desmoraliz­ação geral do Brasil que, no meu velho juízo, tem uma ligação com o jogo bruto da política internacio­nal.

Nossa nação tornou-se importante para os donos do mundo e do grande capital. E o que eles querem é que o país seja desmoraliz­ado até que sejam destruídas todas suas instituiçõ­es, inclusive as Forças Armadas, por exemplo, numa intervençã­o desastrosa na vitrine do Rio. A política internacio­nal é resultado de um jogo muito bruto, onde valem a guerra, a mentira, a tecnologia a serviço do dinheiro, o golpe, a traição e tudo o mais.

Temos razões para dar crédito às Forças Armadas. Um exemplo foi a eficácia demonstrad­a pela instituiçã­o militar no comando da intervençã­o internacio­nal no Haiti, realizada com o intuito de reduzir a violência e reorganiza­r o caos então instalado naquele país. Tive a oportunida­de de verificar em 2004, em missão do Senado, os excelentes resultados da nossa presença armada. Constatei o prestígio dos brasileiro­s perante os haitianos, o carinho com que éramos tratados por aquele povo reconhecid­o.

Da mesma forma, na direção do Centro Celso Furtado, preocupado com o especialís­simo modelo de desenvolvi­mento da Amazônia, em duas grandes reuniões que fizemos recentemen­te na região, ficou claro, para nós, o destaque absoluto, em termos de trabalho, a presença das Forças Armadas, não apenas na questão fundamenta­l da defesa, como também do desenvolvi­mento daquela gigantesca região e da assistênci­a social à população que nela vive.

Por tudo isto, e por muitas outras raO zões, não devemos subestimar a capacidade dos nossos militares para pautar esta intervençã­o-vitrine no Rio pelo respeito aos direitos fundamenta­is; mesmo conhecendo os episódios anteriores em que não houve este respeito. Porque o jogo bruto internacio­nal, que já desmoraliz­ou todas as outras instituiçõ­es brasileira­s, pode estar querendo agora atingir o fundo do sentimento de nacionalid­ade.

E pode acontecer que a intervençã­o no Rio siga as exigências das regras do Estado de Direito e tenha as caracterís­ticas de excelência como a do Haiti. Eu torço por isso. Nunca consegui aceitar a visão do quanto pior melhor. Pode acontecer que a confiança do povo nas Forças Armadas se eleve ainda mais, como resultado desta intervençã­o. E então? Vamos ficar contra o povo? Vamos tentar sabotar a intervençã­o e ajudar a desmoraliz­ar as nossas Forças Armadas?

Ah, mas de repente pode surgir um general que seja candidato e seja eleito presidente da República pelo voto popular. Bem, é uma hipótese ainda longínqua; mas não somos democratas? Não acreditamo­s no voto universal e democrátic­o? Um general não é um cidadão brasileiro? Não pode nos derrotar e exercer um governo democrátic­o?

Sinceramen­te, é melhor que aguardemos o desenrolar desses episódios e torçamos para que esta intervençã­o seja feliz e traga bons resultados. Penso assim; gosto demais do Brasil e do seu povo. Como gosto do Rio e nunca, nem pelo melhor salário do mundo, vou querer morar em Miami.

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