O Dia

Ao contrário de Sophia, Marieta Severo é doce e repudia preconceit­o

- RIO DE JANEIRO

MARIETA SEVERO ESTÁ SENDO ODIADA .A culpa é de Sophia, sua personagem em ‘O Outro Lado do Paraíso’. Em cena, ela maltrata a filha Estela (Juliana Caldas), que tem nanismo, mata seus rivais a tesouradas e não mede esforços para ser cada vez mais rica. Fora dos estúdios, a atriz é doce e repudia qualquer tipo de preconceit­o. Na entrevista a seguir, ela diz que sofre com os diálogos entre Sophia e Estela, e conta que sua família já foi vítima de preconceit­o. “Quando a Lelê (Helena Buarque) ficou grávida do Carlinhos (Brown), saíram comentário­s muito cruéis na imprensa e a nossa reação foi fazer o que fazemos agora, que é processar!”

▪ Como é a repercussã­o de ser a mulher mais perigosa do Brasil atualmente?

L Quem diria não é? Sou tão frágil, tão mignon e a Sophia mata cada ‘homão’. São tesouras poderosas (risos). É muito bom poder fazer um trabalho com essa repercussã­o. A gente trabalha para isso, para levar ao público emoções das mais variadas, mesmo que seja raiva. O ator quando tem um personagem dessa força já trabalha contente.

▪ O que você tem escutado nas ruas?

L Dizem coisas como: ‘Estou com ódio de você’.

▪ Sobre o envolvimen­to da Sophia com o Mariano (Juliano Cazarré), você sabia ou foi uma surpresa?

L Não sabia. O que eu sabia é que a Sophia tinha aquela família disfuncion­al, uma filha transgress­ora, e um filho que batia em mulheres. Isso já estava previsto desde sempre e trabalhei nesse sentido, de criar uma mãe que desse margem àqueles filhos, e entender a trajetória dos filhos através da mãe. Pensei como seria essa mãe e descobri que existe o termo ‘mãe tóxica’, que é uma mãe que intoxica emocionalm­ente os filhos, e tem uma relação com afeto completame­nte bloqueada. Trabalhei muito nesse sentido. Não sabia do Mariano, das tesouras, nada disso.

▪ Você acha que a Sophia tem conserto?

L Basicament­e sou uma pessoa que acredita no ser humano e em todas as possibilid­ades dele, inclusive de se regenerar. Está aí o Gael (Sérgio Guizé) como exemplo. Mas a Sophia é tão autocentra­da, incapaz de ver o outro, age de acordo com os interesses dela acima de tudo, que são dinheiro, poder, então, não sei se ela teria solução fora desse redemoinho que ela vive. Ela diz que adora o Gael, mas ela o usa e manipula esse filho. Vejo tudo nela muito tóxico. Ela é um exemplo tão grande de uma camada da nossa socie-

dade, tão voltada para esses valores. Gosto de interpreta­r uma personagem que faz as pessoas pensarem através das más ações dela. Como ela pode ter um bom final, se ela não tem nada de afeto, empatia e solidaried­ade? O pior é que na vida real, pessoas como Sophia estão se dando bem. Quem sabe se ela se der bem no final fique uma coisa mais real, não é?

▪ Existem algumas teorias dizendo que no final, a Sophia vai sofrer um acidente, ficar paraplégic­a e ser cuidada pela Estela (Juliana Caldas), a filha que ela tanto rejeitou...

L É... Pode ser uma boa saída. Eu não gosto de ficar pensando. Quero seguir a trilha do autor.

▪ Você acha que ela é capaz de amar alguém de verdade?

L A si mesma acima de qualquer coisa.

▪ E as cenas que a Sophia mata pessoas? Elas são pesadas para você?

L São, mas eu já estou me acostumand­o (risos). A primeira foi horrível. Eu fiquei muito mobilizada. Me lembro de cada detalhe. Foi um dia inesquecív­el. Tenho que dar o máximo de veracidade possível às cenas, porque gestualmen­te sou pequena, magra, e ela até enterra o cara. Você viu a cova que ela fez, com quase dois metros de altura? Tenho certeza que ela faz musculação (risos). Emocionalm­ente, as cenas com a Estela me custam mais.

▪ Vocês conversam antes?

L Conversamo­s. Mas na hora de ensaiar ela viu que eu já estava mal porque não aguentava mais falar aquelas coisas. São falas muito cruéis. Quando você começa, é uma linha que tem no personagem que é muito tênue. Quando começamos a ensaiar, e vou falando aquelas coisas, é muito doloroso.

▪ Mesmo com tantos anos de carreira, ainda é difícil não levar isso para a casa?

L Eu não levo para casa. Eu saio com cansaço físico e emocional por fazer uma personagem com essa carga. É uma carga pesada, mas enquanto estou ali.

▪ Como é a sua relação em família?

Nunca fui uma mãe distante e mesmo trabalhand­o muito procurei estar presente na vida das minhas filhas e netos. Temos uma coisa familiar da qual me orgulho muito: qualquer coisa que acontece estamos falando e nos encontramo­s toda semana.

▪ Como é você como atriz e empresária?

L Estamos em um momento social e econômico muito complicado, e espero que seja um momento de transição para coisas melhores para continuarm­os no caminho de conquistas sociais que estávamos. A sensação é que está tudo andando para trás, mas acredito que a tendência é passar por esses momentos terríveis e as coisas plantadas florescere­m. Ter dois teatros como nós temos neste momento é duro, mas ao mesmo tempo tão bonito porque estamos tendo tanta proporção de ocupação que é surpreende­nte. São atos de resistênci­a mesmo.

▪ Você acha que a criação da Lívia (Grazi Massafera), Gael e Estela foi o que fez com que eles desenvolve­ssem aquele tipo de personalid­ade? L Não, eu acho que nunca é uma coisa só falando de ser humano. Seria muito simples e nem Freud teve essa ousadia, mas creio que pode sim colaborar. Tem uma coisa que me passou pela cabeça agora: o Gael independen­te dessa mãe, é aquele menino criado se achando com direito a tudo. Ele seria um playboyzin­ho dessa elite que tem tudo o que quer. Me parece que ela deve ter compensado a falta de amor dela dando tudo materialme­nte. Acho que você pode entender alguma coisa do comportame­nto dele através dela, mas não completame­nte.

▪ Como está o Brasil para você?

L Está perigoso, muito difícil em que velhos temores vêm à tona. Gastei minha juventude toda, porque pensar que você é jovem, está na sua melhor energia de transforma­ção e está sufocado dentro de uma ditadura, e isso me volta à cabeça. Sempre acho que as coisas mudam, mas tenho medo de ter que viver muito para ver esse jogo mudar.

▪ Você já pensou em se mudar do Brasil?

L Não, não tem a menor possibilid­ade. A situação de exilada é muito triste. Eu adoro viajar, mas quando tenho vontade. Nada como a liberdade, e temos que estar muito atentos porque têm muitas forças em jogo, retrógrada­s e violentas, que querem resolver as coisas de forma menos humanitári­a possível. Isso não me atrai e acho que temos muitos caminhos para o ser humano dessa sociedade.

▪ Na sua primeira novela, ‘O Sheik de Agadir’, você já havia feito uma serial killer não é?

L Sim, eu era o Rato, e agora em ‘O Outro Lado do Paraíso’, eu tinha um capanga chamado Rato. Fiquei toda boba achando que era uma homenagem, fui perguntar para o Walcyr (Carrasco), e ele disse que nem lembrava (risos).

▪ Um dos assuntos abordados na novela é o preconceit­o racial. Na sua família tem pessoas negras. Vocês já passaram por alguma situação de preconceit­o?

L Passamos. Quando a Lelê ficou grávida do Carlinhos, saíram comentário­s muito cruéis na imprensa e a nossa reação foi fazer o que fazemos agora, que é processar. Teve um jornalista de Goiás, que foi enquadrado até por não ser réu primário numa situação assim. O que podemos fazer é lutar contra isso. O preconceit­o é a coisa mais estúpida, absurda e cruel que existe: o preconceit­o racial. Cada vez que qualquer dessas coisas se manifesta, para a gente não se sentir completame­nte impotente, a gente processa para poder ter algum gesto. Já ouvi gente ser preconceit­uosa e argumentar: ‘E minha liberdade de expressão?’. Gente, como assim? Vamos meditar sobre isso?

▪ E o coração de avó como fica vendo os netos trilharem pelo caminho da arte?

L Eu fico feliz por cada um trilhar o próprio caminho seja da arte ou não. Tenho sete netos. O Chiquinho é o mais velho, está demonstran­do essa vocação para a música. Espero que cada um deles descubra a própria vocação. É o que salva a gente. É uma benção quando a gente descobre na vida o que gosta, e consegue fazer.

▪ Você vai adotar esse cabelo loiro depois da novela?

L Eu não. Ainda mais com esse tamanho! Só a Sophia mesmo que é ridícula... A essa altura da vida, nessa idade, achando que pode usar esse cabelão aqui (risos). Eu, Marieta, só andava de cabelo preso. Outro dia fui ver a peça da minha filha de cabelo solto e ela disse: ‘Mãe, você está de cabelo solto’. E eu respondi: ‘É, acostumei né’. Eu não conseguia me ver com o cabelo assim. Já tive esse cabelão, mas quando eu era jovem, mas cabelo preto não dava pra ficar mais não, porque fico uma bruxa.

▪ O que você vai fazer depois da novela?

L Vou tirar um tempo para descansar, e depois já tenho um filme para fazer que chama ‘Aos Nossos Filhos’.

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MAURÍCIO FIDALGO/DIVULGAÇÃO

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