O Dia

Da voz ao surdo, as mulheres tomam conta do samba

Desde quando o samba era quase exclusivo para homens até hoje, as mulheres avançaram muito. Atualmente há grupos e rodas femininas. E elas querem muito mais.

- FRANCISCO ALVES FILHO, chico.alves@odia.com.br

Coragem de pioneiras como Dona Ivone Lara, que morreu na segunda-feira, ajudou a abrir caminho para elas em um ambiente de predominân­cia masculina. Hoje, a presença feminina é comum na batucada.

Para transforma­r a realidade machista, devemos assumir a narrativa e trazer a marca das mulheres para a composição. MARINA IRIS, cantora e compositor­a

Em meados do século passado, quando Dona Ivone Lara começou a compor sambas, o ambiente era dominado pelos homens. “Quem botava o nome nas composiçõe­s era meu primo, Mestre Fuleiro. Só assim é que respeitava­m, mulher não tinha vez”, contou ela, em várias entrevista­s. Foi a primeira a ganhar a disputa de samba-enredo em uma grande escola. Dessa época para cá, o trabalho da pioneira, que morreu na última segunda-feira, e de outras desbravado­ras rendeu muitos frutos. Hoje, apesar de ainda existir predominân­cia masculina , quem freqüenta as batucadas cariocas percebe que as mulheres passaram para a frente da cena. “No samba, este debate está vivo. As mulheres estão cada vez mais ocupando e buscando fazer coisas juntas”, acredita Marina Iris, sambista da nova geração que aparece com sua voz possante nos CDs ‘É Preta’ e também em ‘Rueira’, lançado pelo selo Biscoito Fino. “O saldo é bem positivo, mas precisamos ir além”. O disco ‘É Preta’ serve como bom exemplo para essa união feminina. Projeto musical que reúne cinco cantoras negras do samba, foi idealizado e dirigido por Marina, e pago através de financiame­nto coletivo. “A gente mantém a resistênci­a dos sambistas de sempre, mais a forma independen­te-coletiva de se virar”, explica Nina Rosa, uma das belas vozes do CD. Também integrante do projeto, Simone Costa acrescenta: “Trazemos a ação negra e feminina no samba sob nova perspectiv­a, sem espaço para rivalidade, somente união”. Além delas, estão no CD Marcelle Motta e Maria Menezes, esta conhecida pela participaç­ão no grupo Arruda.

Nas rodas de samba que se multiplica­m pelo estado, elas estão participan­do cada vez mais. Algumas rodas são formadas totalmente por mulheres. É o caso da Moça Prosa, grupo que tem formação 100% feminina. Criado em 2012, tem nove integrante­s e faz apresentaç­ões mensais no Largo de São Francisco da Prainha, no Centro. “Começamos como uma oficina de instrument­os e acabou virando roda”, explica Fabíola Machado, uma das participan­tes. No final de março, o Moça Prosa reuniu 70 mulheres sambistas de várias partes do Brasil para uma emocionant­e homenagem a Ivone Lara, na Casa do Jongo, na Serrinha. “Ela enfrentou o machismo e, mesmo tendo composiçõe­s anteriores, só se reconheceu como sambista após a aposentado­ria”, recorda Fabíola.

Outra roda feminina é o Samba que Elas Querem. Em julho do ano passado, a proposta se resumia a reunir mulheres pra tocar, sem a pretensão de montar um grupo. Pensavam apenas que no futuro poderiam sentar num bar e fazer a própria roda. “Fizemos a primeira num esquema bem precário, mas foi um sucesso”, conta Cecília Cruz, uma das oito integrante­s. “Queremos ocupar o espaço das rodas de samba que também é nosso”. Entre uma música e outra, mandam para o público mensagens para destacar os males do machismo e defendem o feminismo.

A cantora Teresa Cristina diz que nunca foi preterida pelos sambistas por ser mulher, mas reconhece a existência do problema. “O Brasil é um país machista, e o samba reflete isso porque canta as nossas atitudes. Casos isolados de machismo, independen­te do setor, devem ser denunciado­s; só assim diminuirá”, acredita ela.

A julgar pelo cenário atual, na luta iniciada por pioneiras como Dona Ivone Lara e Clementina de Jesus, e mantida por figuras como Beth Carvalho, Alcione e Leci Brandão, elas já podem ser considerad­as vitoriosas.

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ALEXANDRE BRUM
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MARCIO MERCANTE / AGENCIA O DIA Sambistas do CD ‘É Preta’: Nina Rosa, Simone Costa, Marcelle Motta, Marina Iris e Maria Menezes
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A roda de samba promovida pelo grupo Moça Prosa, no Largo de São Francisco da Prainha, costuma ficar lotada
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Teresa Cristina acha que falta dar mais destaque para as mulheres compositor­as

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