O Dia

As rosas não trollam

- Ana Cecília Romeu

OPublicitá­ria e escritora

grande Cartola versou de forma brilhante: “as rosas não falam”. Ao observar meu pequeno jardim, aprendi com o silêncio das inocentes flores que a natureza nos oferece rosas que não falam, não deletam, não stalkeam, não trollam e ainda convivem bem com seus próprios espinhos.

Trollar, ou seja, incomodar, e stalkear, vigilância exagerada, se incorporar­am de forma rápida ao nosso idioma.

Novo vocabulári­o para velhos hábitos do ser humano: espreitar para se munir, e atacar para se firmar. Todos são inimigos se pertencem ao grupo dos diferentes. E mesmo os que concordam feito cordeirinh­os, uma vez que não mitifiquem os deuses formadores de opinião, são colocados na pasta dos “prontos para deletar”. Esse é o exercício da inteligênc­ia tamanho PP e do ego extra-large.

Umberto Eco disse que as redes sociais deram voz aos imbecis. No que completo: os imbecis sempre tiveram oportunida­des na nossa sociedade. O esculacho, a fofoca, a opinião sem conhecimen­to, e ainda expô-la como verdade absoluta dão popularida­de e audiência; mas agora os imbecis dispõem de vitrine com alcance internacio­nal em dois cliques. De pijamas na madrugada podem atrapalhar o descanso de outrem porque não conseguem dormir, o que lhes satisfaz imenso.

A isso chamo de “voz de spam”: palavras que enchem nossa caixa de entrada e têm como única serventia afirmar o quanto o ser humano pode ser dispensáve­l.

Enquanto ficamos no ping-pong virtual, os nossos (des)governos nacional e estadual se favorecem ao “despistar o inimigo” que perde tempo na competição dos jogos virtuais; todavia se mantém passivo às ruas, onde sua presença se faz urgente no contexto de rapinagem dos direitos trabalhist­as, do parcelamen­to de salários dos servidores públicos, do aumento abusivo de taxas: daqui a pouco teremos de deixar a chave de nosso automóvel no posto de gasolina para pagar tanque cheio.

As rosas têm o que muitas pessoas nunca alcançarão: o silêncio essencial. Quando o ser humano deveria pensar sete vezes ou mais antes de digitar.

Meu caro Cartola, que o mundo reveja os conceitos e aprenda com suas rosas a empatia presente nos jardins e ausente na sociedade. Simplesmen­te, “as rosas exalam o perfume que roubam de ti”, bem disse você. E seríamos espelho e reflexo de uma natureza infinitame­nte maior do que nós.

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