O Dia

A dor da gente não sai no jornal

- Cid Benjamin Jornalista

Cena 1.

deu que Há o publicou: seguinte poucos dias título “Troca um para de jornal tiros uma notícia do na Rio Rocinha assusta moradores da Gávea”.

A frase retratava uma realidade.

De fato, moradores de um bairro

próximo à favela se assustaram porque seus apartament­os poderiam ser atingidos por uma bala perdida. Mas, o que dizer de quem vivia na própria Rocinha, com uma guerra diante da porta e em meio a tiros de fuzil que poderiam ultrapassa­r as frágeis paredes de casa?

Para o jornal, porém, esse drama aparenteme­nte era secundário.

Cena 2.

Na semana passada um respeitado colunista referiu-se, num artigo que publicou em jornal carioca, ao desconfort­o causado pela visão dos dependente­s de droga da chamada Cracolândi­a, na capital paulista, vis-

Ver humanos da janela reduzidos seres a zumbis numa cracolândi­a deve ser um horror. Mas, e a vida daqueles mortos-vivos?

tos a partir de um apartament­o nas proximidad­es. E falou no “drama cotidiano dos moradores que são obrigados a ver um cenário de horror de suas janelas”.

De fato, ver da janela de casa seres humanos reduzidos a zumbis deve ser um horror. Mas, e a vida daqueles mortos-vivos não será um horror ainda maior?

Para o colunista, tudo indica que não.

Cena 3.

O prefeito Marcelo Crivella começou, nos últimos dias, a pintar a fa1928 chada das casas da Rocinha voltadas para a autoestrad­a Lagoa-Barra, com o objetivo de causar boa impressão a quem passa de carro diante da favela.

Ora, na Rocinha moram mais de cem mil pessoas e a comunidade não tem saneamento básico. As crianças convivem com esgoto a céu aberto. Resolver esse problema não será mais importante do que pintar a fachada de casas?

Para o prefeito, parece que não. O repórter que fez o título da notícia sobre o tiroteio na Rocinha, o colunista que lembrou o horror que é o vista dos dependente­s de crack ou o prefeito preocupado em melhorar a imagem da favela aos olhos de quem vai de carro para a Barra não são, necessaria­mente, pessoas insensívei­s. Não duvido que sejam capazes de se dar conta do absurdo que disseram e voltem atrás.

De qualquer forma, os três episódios refletem o embrutecim­ento de uma sociedade que oprime o povo pobre e trabalhado­r, sem que muita gente não se dê conta disso.

Afinal, como diz o samba de Haroldo Barbosa e Luís Reis, gravado por Chico Buarque: “A dor da gente não sai no jornal”.

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