O Dia

‘A sensação que eu tenho é que, hoje, perdemos a liberdade’

- MÁRCIA KOAKOSKI, advogada

O DIA: Como era o acampament­o em que vocês estavam, em Curitiba?

Era um ambiente muito bom, com pessoas de diferentes classes sociais e profissões confratern­izando. O convívio tinha regras, como a proibição de bebidas alcoólicas. No dia do ataque, houve uma atividade cultural que foi até um pouco mais tarde.

Antes da noite em que houve os tiros, havia ocorrido algum incidente? Todos os dias houve incidentes. Uma parcela da população mostrou solidaried­ade conosco. Uma outra parte, no entanto, era muito hostil o tempo todo. Tanto que nós só saíamos do acampament­o em grupo. E tínhamos ordem para não responder a nenhuma provocação. Na frente do acampament­o, dia e noite passavam carros buzinando e xingando os acampados de muita coisa, de vagabundos para baixo.

Mas, numa situação de risco como essa, não havia policiamen­to?

Nenhum. Isso era uma coisa que eu não conseguia entender. Não vimos um carro da PM no local.

E como foi aquela noite?

A gente ficou conversand­o até um pouco mais tarde. Aí, na hora de deitar, chamei os meninos da segurança e pedi para ir ao banheiro. Um deles me acompanhou até a porta. Senti que o clima estava tenso. Pouco antes, eu tinha ouvido rojões, que o pessoal disparava na entrada do terreno que a gente estava. Aí, vieram os tiros, depois fogos e depois uma correria tremenda. Foi um pânico total, muita gritaria, tudo no escuro. Foi quando senti o impacto. Tive muito medo. Até que, quando teve mais luz, eu pude ver que não era tão grave. Depois, a gente achou que tinha sido apenas um estilhaço, até que me disseram que a ferida é compatível com o ferimento de bala. É uma sensação ruim saber que fui atingida por um tiro de uma 9mm.

E como tem sido os dias depois do ataque?

Eu recebi apoio da OAB, de pessoas especializ­adas em Direitos Humanos. Mas a sensação que eu tenho é que, hoje, perdemos a liberdade de pensar e se manifestar. Eu só disse o que pensava, me manifestei contra a prisão do presidente Lula. E por conta disso, atiram contra a gente. Eu me senti muito apreensiva, recebendo ligações estranhas, com pessoas perguntand­o onde eu estava... me senti um alvo. O que vejo é que pessoas com um perfil de agressivid­ade muito forte estão se sentindo à vontade para agir, até porque elas encontrara­m candidatos que falam o que elas pensam. Pessoas ligadas a movimentos sociais, que pensam diferente delas, estão a cada dia mais, sob risco. O ódio é tão intenso que você pode ser morto. Eu e o Jefferson não fomos por pouco.

Pessoas com um perfil de agressivid­ade muito forte estão se sentindo à vontade para agir

Foi um pânico total, muita gritaria, tudo no escuro. Foi quando senti o impacto da bala

MÁRCIA KOAKOSKI, advogada

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