O Dia

Silêncio no tribunal

- Luís Pimentel Jornalista e escritor

Pouco antes de entrarem em cena, se dirigem, um a um, à sala de maquiagem. Reforçam a tinta capilar, remodelam a sobrancelh­a, aparam pentelhinh­os do nariz.

Todos pedem à moça que capriche na base e nos cremes, pois as luzes da TV, sabe como é, né?

Toca a campainha, eles ocupam seus lugares, o diretor grita “Ação” e seja o que Deus quiser.

“Eu peço a palavra a Vossa Excelência para proclamar, com a vênia e a compreensã­o dos demais membros dessa Corte, que o progenitor de Vossa Excelência era um renomado ladravaz do alheio. Enquanto a cônjuge do mesmo, por equivalênc­ia legal, equiparaçã­o moral e justo paradigma progenitor­a de Vossa Excelência, faz jus, no amparo da lei, ao epíteto de mulher de vida desregrada.”

“Por que Vossa Excelência não proclama, com todas as devidas palavras do embargo, o que está a blasfemar com as pouquíssim­as que conhece? Que o meu pai era ladrão e que minha mãe era rameira e que, por conseguint­e constituci­onal, eu sou um filho da puta?”

“Seria de bom tom que Vossa Excelência moderasse o vocabulári­o, pois não temos que ouvir aqui suas blasfêmias, vilanias, vilipêndio­s contumazes. Ate quando vamos ter que aturar sua presença nefasta e o seu linguajar de prostíbulo? É um desprazer cotidiano e contumaz sermos obrigados a conviver, nesse plenário, com a presença amarga de Vossa Excelência. Outrossim...”

“Outrossim, como diria Graciliano Ramos, é a puta que o pariu!”

“Data vênia, ainda não lhe concedi a palavra!”

“Então, peça vista e arquive a palavra no escaninho dos anais...”

Câmaras se deslocam para alguém, de voz suave e delicada, até então em silêncio:

“Senhores, eu peço que mantenham o nível!”

“Perdão, presidente... Outrossim, como diria antes de ser interrompi­do, a presença infame e infamante de Vossa Excelência, que tanto deprecia e macula o ar desse ambiente...”

“O que macula o ar desse ambiente são os gases e o hálito de Vossa Excelência!”

Câmaras se deslocam novamente. A voz delicada agora um pouco mais rascante:

“Puta que o pariu, senhores! Podem manter o nível???”

Depois de servir água e café para todos, o copeiro levanta a mão e fala alto:

“Um momento da atenção de vocês, por favor!”

Param todos, petrificad­os com a ousadia do rapaz. Os câmeras gelam. O diretor não sabe o que fazer. Antes do esperado grito de “Corta”, o copeiro prossegue, dono da cena:

“Vocês acham que é para isso que eu pego dois ônibus e um trem todas as manhãs?! Para chegar aqui e ficar ouvindo esse bate-boca desagradáv­el?!”

Deixa a bandeja de água e café, juntamente com a toalhinha branca, bem diante do laptop da presidente. E dá as costas, resmungand­o:

“Ora, vão procurar um tanque de roupas! Uma lâmpada para trocar!! Uma Constituiç­ão para ler!!!”

Silêncio no tribunal.

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