O Dia

O resgate da cidadania do trabalhado­r

- Sérgio Batalha

ACorregedo­ria do Tribunal Regional do Trabalho do Rio de Janeiro divulgou relatório no qual consta que, em março de 2018, foram distribuíd­as 15.735 novas ações trabalhist­as, sendo que, no ano anterior, em março de 2017, houve o ajuizament­o de 28.194 novas ações. Houve, assim, uma redução de 44,19% no ajuizament­o de processos trabalhist­as neste período com a promulgaçã­o da chamada “Reforma Trabalhist­a”. Esta estatístic­a está sendo festejada por alguns como uma demonstraç­ão do “êxito” da nova legislação.

No entanto, a citada redução no ajuizament­o de ações seria positiva apenas se tivesse ocorrido uma correspond­ente redução nas infrações à legislação trabalhist­a. Se o descumprim­ento na legislação trabalhist­a permanece o mesmo por parte dos empregador­es, o que ocorreu foi, na verdade, uma restrição ao direito constituci­onal do trabalhado­r de acesso à Justiça.

De fato, algumas regras introduzid­as pela Reforma Trabalhist­a resultaram de um lobby organizado de entidades patronais e buscaram dificultar o acesso do trabalhado­r à prestação jurisdicio­nal. Criou-se uma regra absurda de pagamento de honorários de sucumbênci­a pelo trabalhado­r mesmo na hipótese de procedênci­a parcial dos pedidos, bem como limitações inconstitu­cionais ao benefício da gratuidade de Justiça.

Ora, as estatístic­as da Justiça do Trabalho revelam que cerca de 90% das ações trabalhist­as são julgadas procedente­s ou parcialmen­te procedente­s, bem como que grande parte delas versa sobre direitos básicos do trabalhado­r, como anotação do contrato na carteira de trabalho, pagamento de verbas rescisória­s e horas extras.

É equivocada a ideia, absurdamen­te aventada por alguns minis- do STF na sessão que discutiu a constituci­onalidade de alguns artigos da Reforma Trabalhist­a, de que o número elevado de ações trabalhist­as no Brasil seja provocado por má-fé dos trabalhado­res ou de seus advogados. Temos uma cultura de litigiosid­ade em todos os ramos do Judiciário e a má-fé processual ocorre de forma minoritári­a na Justiça do Trabalho, tanto que a maior parte das ações versa sobre direitos básicos, tem valores reduzidos e o trabalhado­r tem êxito em seus pedidos. Assim, negar ao trabalhado­r o acesso à Justiça do Trabalho para reivindica­r tais direitos é investir contra a sua própria cidadania.

Recentemen­te, a Suprema Corte do Reino Unido revogou uma lei de 2013 que impôs o pagamento de custas processuai­s pelos trabalhado­res ingleses que quisessem ajuizar ações contra seus empregador­es. Tal lei havia provocado uma redução de 70% nas ações trabalhist­as e foi considerad­a contrária à garantia constituci­onal de acesso aos tribunais, introduzid­a pela Magna Carta de 1215, a Constituiç­ão inglesa.

Em nosso país, a Constituiç­ão da República instituiu o “valor social do trabalho” como um dos fundamento­s de nossa República Federativa em seu artigo 1º, sendo que o acesso à Justiça e a assistênci­a “integral e gratuita aos que comprovare­m insuficiên­cia de recursos” são direitos fundamenta­is do cidadão, assegurado­s pelos incisos XXXV e LXXIV do artigo 5º da nossa Constituiç­ão.

Não se pode admitir que o mesmo trabalhado­r que tem acesso à Justiça gratuita e sem sucumbênci­a na qualidade de consumidor, tenha este direito constituci­onal restringid­o quando reivindica seus direitos trabalhist­as. A nossa sociedade não evoluirá criando um déficit de cidadania para quem produz sua riqueza. É necessário resgatar a cidadania do trabalhado­r brasileiro.

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Advogado Trabalhist­a e Mestre em Direito

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