O Dia

A Ditadura e a bagunça

- Luís Pimentel Jornalista e escritor

As revelações foram feitas há mais de uma semana, a partir do trabalho do pesquisado­r Matias Sperktor, mas continuam entre os assuntos do dia. Repercutin­do os fatos (que tomo aqui a liberdade de também fazê-lo), o jornalista Elio Gaspari escreveu: “A História do Brasil continua a ser escrita pelos americanos”. Parte contundent­e dos dias negros do regime militar que os brasileiro­s viveram - tão bem contados por Elio em volumes de sua obra sobre a ditadura - e que os ianques guardavam a sete chaves, foram agora cavoucados por Matias nos arquivos da poderosa CIA.

Os documentos fazem pelo menos uma revelação de peso: o ditador Ernesto Geisel não foi, em momento algum, o general do bem que remava contra a correnteza sanguinári­a reinante, na tentativa de promover uma abertura política e interrompe­r a tirania que imperava nos quartéis. Não. O Geisel que salta agora, a partir dos documentos à época enviados ao secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger (que então mandava chover ou fazer sol sobre a América Latina, lembram dele?) é outro fantasma entre tantos que o passado insiste em nos revelar.

O “bom” Ernesto, que exibia sempre um semi-sorriso tímido de tio avô, apoiava o circo de horrores e estimulava a tigrada, mandava matar! A obra do Gaspari já transcreve o diálogo do presidente com o então ministro do Exército, general Dale Coutinho, um que também era do barulho: “Esse negócio de matar é uma barbaridad­e, mas eu acho que tem que ser” (algo como o atual “Tem que manter isso aí, viu?”).

Não quero dar uma de gato mestre, do tipo “eu já sabia”, mas confesso que jamais enxerguei essa áurea pseudo-pró-abertura no irmão do general Orlando (que também era do balacobaco e fez da Petrobras o seu canteiro e cozinha muito antes do Carnaval Lavo Jato). Basta lembrar que Geisel manteve, como chefe do seu Serviço Nacional de Informação, o também general João Batista de Figueiredo, um oficial de Cavalaria ocupando cargos de Intendênci­a. E mais: não satisfeito, aprovou sua indicação para substituí-lo no Planalto. Chargistas da época o desenharam galgando o posto no lombo de um portentoso e presidenci­al equino, e Millôr Fernandes cravou: “Cavalo não sobre escada; mas desce rampa”.

Como as lições não são pensadas e escritas, necessaria­mente, para ensinar (às vezes também para confundir), fecho essa conversa citando o mesmo Gaspari, para quem “na ditadura praticaram-se crimes e aquilo que parecia ordem era uma enorme bagunça”.

Que bom que existem pesquisado­res como Matias Sperktor, que sabem onde as cobras dormem, onde moram os documentos e, sobretudo, os seus tenebrosos segredos.

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