O Dia

Cadê a classe média

- André Balloco

Jornalista

Que as UPPS se transforma­ram num fracasso, o aumento dos índices de violência em favelas e entornos é como um tapa na cara. Infelizmen­te deixamos a janela se fechar e reabri-la não será fácil. Mas o que me traz aqui não é uma lamentação – e sim uma constataçã­o. Nós, da classe média, fingimos que incluir as comunidade­s não era conosco. Num processo que repete a gênese de nossa formação, ignoramos nossa responsabi­lidade sobre o programa e a entregamos nas mãos do governo, que dele se apossou em busca de dividendos políticos e o ampliou de maneira irresponsá­vel. Deu no que deu.

Como editor do projeto ‘Rio, Cidade sem Fronteiras’, observei ativamente o processo de pacificaçã­o entrando nas favelas e trazendo sua realidade para as páginas de O DIA. Era incrível que não precisava pedir a autorizaçã­o de ninguém para entrar nelas!

Não sai da minha cabeça a liberdade de ir e vir, o fim do desfile dos fuzis, das madeiradas. O turismo no Santa Marta, as 500 barraquinh­as na Estação Palmeiras do Teleférico do Alemão (que hoje está fechado!), as visitas ao Caminho do Grafite, no Morro do Prazeres, as baladas na Babilônia e no Chapéu Mangueira e a força incrível da Folia de Reis na Formiga.

A melhoria do desempenho escolar das crianças nas escolas é outra marca digna de registro. Permanece na memória a alegria dos moradores que, finalmente, pensavam estar livres da ditadura do tráfico, e também a desesperan­ça ao perceberem que a Polícia de Proximidad­e se transformo­u em ocupação militar.

Durante estas andanças pelas favelas, em que coordenei debates e conheci centenas de lideranças e empreended­ores, era visível o nosso dar de ombros no processo. Os próprios policiais com quem cruzava nas vielas sinalizava­m o sentimento de abandono. Era nítido o conflito interno entre os que defendiam cidadania e a turma do ‘tiro, porrada e bomba’.

Por outro lado, vi grupos de estrangeir­os fazendo trabalho comunitári­o. Alemães, suecos, ingleses, espanhóis, norueguese­s, todos ali impression­ados com o Brasil das profundeza­s, com o povo que ergueu o país. Um deles um dia, no Vidigal, me disse que o Brasil verdadeiro não estava no Leblon. “O asfalto é europeu, é igual a Madri!”, exclamou. “Aqui não, aqui está o verdadeiro Brasil”.

Eram professore­s de música, jornalista­s, músicos, médicos e arquitetos que se transforma­ram em pintores de muros e pedreiros. Eram artistas como o português Vhils, que por onde passava com seu grafite realista deixava também oficinas de seu trabalho.

E nós, da classe média? Não vimos, não ouvimos, não subimos. E deixamos passar uma grande oportunida­de de fazer do Rio uma cidade única.

Pobre Rio. Que no próximo governo eleito cuide bem do programa, e que a janela se reabra.

As UPPs estão moribundas sim. Mas diferentem­ente da Inês de ‘Lusíadas’, ainda não morreram.

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