O Dia

Professore­s e caminhonei­ros

- Eugênio Cunha Professor e jornalista.

Entre muitas publicaçõe­s nas redes sociais acerca do movimento dos caminhonei­ros, uma indagava o que aconteceri­a se os professore­s tivessem o mesmo prestígio dos motoristas de caminhão e a Educação a mesma importânci­a da gasolina. Ainda que a postagem tenha um tom de blague, podemos fazer algumas consideraç­ões.

Um fator importante que deu destaque ao movimento foi certo pânico criado pela possibilid­ade de as pessoas não poderem mais comprar, já que a interrupçã­o no transporte de mercadoria começou a deixar as prateleira­s de lojas e supermerca­dos vazias.

Além disso, como sair de casa sem combustíve­l nos carros? Isso amedronta a sociedade: a restrição do consumo. Em outros tempos, de menor abastança, talvez não fosse assim, mas vivemos dias em que uma das grandes angústias para quem consome é escolher o que realmente é necessário no meio de opções em excesso.

Ademais, não suportamos mais a escassez, ou melhor, não conseguimo­s mais conviver, numa sociedade capitalist­a, com a circunstân­cia de não poder consumir, quando tudo em nossa volta nos estimula a esse fim. A paralisaçã­o foi eficaz.

Nota-se que as relações das pessoas com sua cidadania explicamse melhor quando elas podem desempenha­r o papel de consumidor­es. Trata-se de uma inversão de valores, que favorece inegavelme­nte a disseminaç­ão da chaga social da corrupção.

Em razão disso, como afirma o antropólog­o argentino Nestor Canclini, homens e mulheres percebem que muitas questões próprias dos cidadãos são respondida­s mais por meio da aquisição de bens materiais do que pelas regras abstratas da democracia, do direito e do dever.

Existe ainda uma falsa sensação de que as coisas estão melhorando porque podemos ter cada vez mais objetos de consumo; porque podemos comprar e ter muito mais que nossos pais e avós compraram e tiveram.

Enquanto aparelhamo­s nossas casas com os itens mais atuais do século 21, continuamo­s, como já era há décadas, sem saneamento em nossas ruas, sem transporte eficiente em nossos bairros, sem saúde e ensino público de qualidade, assim como acontecia com nossos pais e avós.

Não, os professore­s jamais terão o prestígio que merecem e nem a Educação a importânci­a de um pecunioso bem material se não mudarmos nossos valores, praticarmo­s e ensinarmos a nossos filhos o compromiss­o ético do uso responsáve­l do capital, do respeito, da solidaried­ade e da justiça.

Continuamo­s sem saneamento em nossas ruas, sem transporte eficiente em nossos bairros, sem saúde e ensino público de qualidade

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