O Dia

A culpa é dos outros

- Luís Pimentel Jornalista e escritor

Um pensamento (encapetado) das antigas garantia: “O diabo quando não vai manda o secretário”.

No inferno em que habitamos (sinto decepcioná-los), o mensageiro tem outro status. Quando não vai, o que quase sempre acontece, o tinhoso-teimoso-raivoso manda um ministro – às vezes um angorá, às vezes um pitbul. E aí, para se manter fiel aos métodos da liderança, vai e faz (ou fala) a bobagem que quiser. Invariavel­mente, vai um primeiro, para esclarecer, e não consegue; o outro depois, para confundir mais ainda.

Em seguida, um bota a culpa no outro, fica o dito por não dito e vida que segue desgoverna­da, atropeland­o a população, o contribuin­te, os mais necessitad­os. Estejam ou não com as carretas e caminhões de entrega em movimento.

A culpa é do outro. O inferno são os outros. Pimenta no dos outros. Cuido de mim e o outro que se exploda.

Quem é o outro?

Como o enxergamos?

E o que ele representa, de verdade?

O outro nos mete medo, por isso o satanizamo­s.

Em conto antológico, o mestre Rubem Fonseca põe no centro de sua narrativa um executivo de empresa bem posto na vida, sentindo-se “perseguido” por um homem que vive a lhe abordar nas ruas e a pedir dinheiro. Na imaginação da personagem, os pedidos se transforma­m logo em chantagem, depois em ameaças. Ele vê o seu “perseguido­r” como um inimigo perigoso, assustador, fisicament­e enorme e de face monstruosa.

É aí que entra a paranoia nossa de cada dia. Acuado pelo pavor “do outro”, o executivo resolve eliminá -lo a tiros. Só quando a vítima cai no chão, ensanguent­ado e morto, vê-se que se trata de uma figura minúscula, nada ameaçadora, frágil e imberbe, quase um menino.

Reconheço que a crônica desviou-se em seu propósito primeiro. Prometeu mundos e fundos e não fez a devida entrega. Isto porque, na verdade, fundos não possuía – o que fazem a toda hora os atuais secretário­s do diabo.

Mas com certeza estou isento de culpa, pois quem me desviou foi o outro.

“A culpa é do outro. O inferno são os outros. Pimenta no dos outros... Cuido de mim e o outro que se exploda.”

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