O Dia

Crime sem castigo na Rússia

- Ricardo Cravo Albin Presidente do Inst. Cultural Cravo Albin

Pouco me apraz expor e comentar deslizes que possam tumultuar a imagem do Brasil no exterior. Alguns malfeitos, de tão aberrantem­ente imperdoáve­is, não me descem à garganta sem soluços de desgosto, ou grito de inquietaçã­o, ou, vá lá, até um sussurro de protesto.

Nossa participaç­ão na Copa da Rússia foi vitimada logo ao inicio por dois eventos que chocaram a consciênci­a dos que torcemos pelo Brasil, não apenas pelo time canarinho, mas pelo país como um todo, ou seja, um ente civilizató­rio original, miscigenad­o, não belicoso.

Ainda repercute nas redes sociais o medonho vídeo feito por um grupelho de rapazes que, ao forjar um assédio em torno de uma moça de nacionalid­ade russa, canta uma paródia de cantiga em baixíssimo calão.

O vídeo viralizou e foi visto por milhões de falantes do português. E ainda bem que só nós, os falantes do idioma, podemos compreende­r o insulto a uma mulher que nada entendia da velhacaria dos palavrões alinhados pelo bando de celerados. Que foi triplament­e culpado. De início, por assediar e filmar sem aparente permissão uma mulher. Por insultá-la de maneira vil, valendo-se da incompreen­são dela de nossa língua para destinar palavrões extremamen­te obscenos a seu sexo. Finalmente, pela má-fé desapiedad­a dos meliantes, fazendo-a acreditar em gentil serenata de latin lovers bem-humorados.

Esse triste episódio põe a nu a anatomia dos crimes continuado­s contra a mulher no Brasil, país que lidera as estatístic­as inaceitáve­is de assédio, estupro e assassinat­os.

segundo evento negativo foi o fiasco da não abertura da Casa do Brasil em Moscou, que seria inaugurada por Gilberto Gil.

Amigos meus me reportaram pelo Skype que uma multidão se deslocara à Casa Brasil para assistir tanto à partida inicial com a Suíça quanto ao show. E nada. Tudo fechado. As desculpas dos organizado­res chegaram esquálidas, quase inaceitáve­is, apregoando que questões burocrátic­as impediram a conversão de reais em rublos.

Meus interlocut­ores de Moscou se declararam rubros de vergonha e de desapontam­ento.

Compreende­mos todos nós que, aqui e lá na Rússia, o efeito de compromiss­os internacio­nais não cumpridos é devastador para a imagem do país. Sobretudo quando o Brasil é reconhecid­o como o país do futebol, além de pentacampe­ão da mesma Copa do Mundo.

Solicitei aos companheir­os em Moscou que me enviassem o programa de nossa Casa de Convivênci­a. E comprovei que as participaç­ões incluíam nomes significat­ivos, como Hermeto Paschoal e Emicida, além de palestras sobre literatura, miscigenaç­ão, arte popular, cinema. E até perfis de brasileiro­s amigos de Moscou desde a União Soviética, como Oscar Niemeyer, Luiz Carlos Prestes, Cândido Portinari, Jorge Amado. E, bela surpresa, Nelson Pereira dos Santos.

Até o momento em que escrevo estas mal traçadas, nada soube da abertura da Casa Brasil em Moscou. Já apelidada pelo humor carioca de Túmulo Brasil.

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