A ciência sob bençãos de Orumilá e Ossain
Avisita recente do rei Ooni Ogunwusi de Ifé a três capitais brasileiras – Salvador, Rio de Janeiro e Belo Horizonte – , fora o bumbum paticumbum prugurundum folclórico a que, infelizmente, os aparatos oficiais ainda recorrem para entender a diversidade das nações africanas, positiva as políticas públicas que estreitam os laços Brasil-Nigéria.
Em clima de Copa Mundial de Futebol, divulgação simultânea de pesquisas eleitorais e outras informações que exigem muitos filtros e reflexões desapaixonadas, a passagem do rei Ooni Ogunwusi de Ifé por terras tupiniquins ainda vai levar um tempo para ser processada na sua dimensão simbólica.
Por que simbólica? Quem ouviu o rei de Ifé, no dia 13, na fala de abertura do colóquio ‘Conhecimentos Tradicionais e Saúde Brasil-Nigéria’, na Casa de Oswaldo Cruz (COC)/Fiocruz, guarda na memória quantas vezes o rei OOni Ogunwusi usou a palavra simbólico para abalizar a contribuição do seu país às políticas públicas brasileiras voltadas à saúde.
Ao dispor o conhecimento dos seus ministros e doutores ao tema do colóquio, o rei reconheceu a contribuição ancestral dos saberes e práticas médicas africanas à prevenção e manutenção das saúdes nas Américas. Por isto ter usado, exaustivamente, a palavra simbólico.
Ogunwusi deve ter percebido que o convênio firmado com uma instituição de pesquisa como a Fiocruz exige mudança de paradigmas; por isto ter citado, no ato de assinatura do convênio, os nomes de Orumilá, o orixá iorubano da profecia; por isto ter invocado Ossain, o dono do mistério das folhas e seu uso na prevenção e tratamento das saúdes. Admissões como estas, feitas por um rei, dentro de uma instituição como a Fiocruz, muito mais que simbolismo espiritual e histórico (vivemos a Década Internacional dos Afrodescendentes – 2014 a 2024 – estabelecida pela Unesco), trazem para o centro das decisões a importância de discutir ciência de maneira contextualizada, em que o pensamento e as práticas médicas populares interajam com o conhecimento e as pesquisas acadêmicos.
Aqui cabe, ainda, refletir a visita do rei Ooni Ogunwusi de Ifé do ponto de vista político. Esse, na minha opinião, o mais urgente, nesses tempos em que a comunidade científica brasileira tem reagido e se adaptado às decisões do governo federal de cortar recursos destinados a programas de pesquisa e tecnologia. Uma situação que bate, frontalmente, com todas as políticas assumidas, assinadas ou desenvolvidas pelas nações que celebram, este ano, os 40 anos da primeira Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde de Alma-Ata (ex-URSS), organizada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) e Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), em setembro de 1978.
A data, outra justificativa ao uso da palavra simbólico, proferida pelo rei de Ifé, coincide com os debates e as ações brasileiras sobre os Determinantes Sociais da Saúde (DSS), isto é, as condições econômicas e sociais que afetam as saúdes humana e ambiental, enfim, preocupações que deveriam tomar o corpo do poder público e, nele, injetar urgências.
Há urgências nas pesquisas, envolvimento popular e combate à tríplice epidemia (dengue, chikungunya e zika) e a outras arboviroses. Reconheçam-se as práticas integrativas de saúde; direcionem recursos robustos às tecnologias sociais, às farmácias vivas; insistam na educação contextualizada, de maneira que o território interaja com o conhecimento científico; enfim, reconheçam que Axé e Ciência são indissociáveis, caso contrário, por que o rei Ooni Ogunwusi recorreria a Orumilá e Ossain para que, irmanados, contribuíssem para amenizar os males civilizatórios do Brasil?