O Dia

Rocinha: a ‘Rossíria’

- Reis Friede Doutor em Direito e desembarga­dor federal

“O Estado não se faz presente através da prestação de serviços públicos”

Uma das vertentes conceituai­s forjadas para o termo guerra traduz o estado de beligerânc­ia que envolve dois ou mais Estados soberanos. Não obstante tal aspecto conceitual, típico do Direito Internacio­nal Público e da Polemologi­a (a Ciência da Guerra), é fato que, sob o prisma da presente realidade, o Rio de Janeiro encontra-se mergulhado numa ‘guerra’, cujo cenário pouco difere do que ocorre em países que ostentam aquela condição.

É de se reconhecer que algumas localidade­s da Cidade Maravilhos­a, em especial aquelas em que o Estado não se faz presente através da prestação dos serviços públicos – saneamento, coleta de lixo, abertura e pavimentaç­ão de vias, iluminação, etc –, mais se assemelham a um teatro de operações, no qual o ingresso das forças estatais (armadas e policiais) demanda uma prévia mobilizaçã­o de tropas e um detalhado planejamen­to estratégic­o e logístico, de modo a evitar – ou pelo menos minimizar – os conhecidos efeitos colaterais de uma ação desta magnitude. Diante do quadro atual, e por inúmeros fatores relacionad­os à Polemologi­a, é quase impossível ingressar em determinad­as comunidade­s, como na Rocinha, sem que se proceda previament­e a um amplo estudo de situação.

Um aspecto a ser considerad­o guarda relação com aquilo que denominamo­s de assimetria reversa. Refirome aos problemas que uma operação neste tipo de arena, como o caso da Rocinha, naturalmen­te impõe quanto

ao emprego da força armada e/ou policial, aparato imprescind­ível para combater uma criminalid­ade – notadament­e a dedicada à narcotrafi­cância – que insiste em subjugar não somente as milhares de pessoas que lá residem, mas também impor uma série de restrições (tal como o fechamento de vias públicas) à cidade como um todo.

Neste contexto, as forças do Estado, cientes da missão constituci­onal que lhes incumbe cumprir para devolver a paz aos moradores da Rocinha, deparam-se com as limitações frequentem­ente observadas em situações de beligerânc­ia convencion­al.

No caso da Rocinha, embora obviamente não seja possível cogitar de um conflito envolvendo dois Estados – tal como formulado nas clássicas concepções da Ciência Política e da Teoria Geral do Estado –, forçoso admitir que nela o ente estatal, representa­do quase que exclusivam­ente pelas forças armadas e policiais, e o “Estado Paralelo” travam uma “batalha”, cujos resultados negativos são visíveis, sobretudo para a população local e para os valorosos policiais que por lá deixam o seu sangue.

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