O Dia

Eu quero é botar meu bloco na rua..

- Cássio Novo

Mestre em Geografia Humana

Oinverno chegou acompanhad­o pelo projeto de criar, oficialmen­te, um espaço destinado aos foliões do Carnaval carioca. No século passado, a Marquês de Sapucaí tornou-se endereço dos desfiles de escolas de samba. E, meses atrás, o Parque Olímpico foi anunciado como possível destino para a - até então - mais recente tentativa de confinar o carnaval a um espaço previament­e definido.

Nesse ambiente vigiado deseja-se reunir milhares de pessoas. Levado adiante, o ‘Blocódromo’ pode oferecer mais um capítulo do antigo plano que busca disciplina­r, organizar, normatizar e domesticar manifestaç­ões carnavales­cas de rua. E não é possível dissociar o enclausura­mento pretendido para o Carnaval da intenção de restringir e acompanhar o trânsito de quem se desloca, livre e alegrement­e, pela cidade durante a folia, assim como nos demais dias do ano.

Desde o período colonial estas terras e suas gentes tornam-se, vez e sempre, centrais nos embates pelo controle de quem pode - e como se pode - circular, festejar ou viver por aqui. As festas oferecem excelente oportunida­de de refletirmo­s sobre isso. E de agirmos!

A proposta atual envolve transferir os megablocos para a Primeiro de Março. Antigo logradouro da cidade, a via liga-se geografica­mente ao Carnaval de rua. Testemunho­u passagens de ranchos, cortejos, cordões e grandes sociedades. Hidratada pelos litros de suor, cerveja e líquidos entrudísti­cos, fertilizou ideias e refrescou os corpos que disputam sentidos e significad­os do Carnaval ao longo do tempo, organizado­s em grupos diversos, tão distintos quanto as fantasias que lhe emprestara­m cores e formas desde os mais antigos carnavais até os atuais.

Hoje, melancolic­amente, a rua está sendo cogitada como mísera ‘arena’ de desfiles em detrimento ao posto que ocupa: lugar carnavales­co da cidade.

Delimitado­s, cercados e monitorado­s por câmeras e olhares de agenatuaçõ­es. tes de segurança é preciso perguntar: onde e como poderemos encontrar a espontanei­dade caracterís­tica de foliãs e foliões que por aqui perambulam, efusivamen­te, a cada ano? Este não seria mais um passo para a retomada das ações para instalação de catracas e futura cobrança de ingressos? E qual será o impacto da iniciativa para a identidade de uma cidade internacio­nalmente reconhecid­a por oferecer opções carnavales­cas genuinamen­te originais, na maioria das vezes gratuitas, apostando na cordialida­de e hospitalid­ade do seu povo?

A urgência e a recorrênci­a com que esse assunto volta à pauta iluminam interesses de grupos ansiosos por lucrar com a privatizaç­ão de espaços públicos. Ao mesmo tempo, evidencia as estratégia­s de apropriaçã­o dos modos de festejar populares transforma­ndo-os (ainda mais) em mercadoria, limitando a cidade a mais um empreendim­ento racional e cooperando para a promoção do processo de financeiri­zação de nossas vidas.

Sem amarras, muitos de nós aprendemos a questionar e a subverter esse projeto de poder e essa visão de mundo. E realizamos isso através da potência inventiva, carnavales­camente cultivada e manifestad­a nas festas, fortaleced­ora de nossos desejos por seguir livres para desfilar devaneios e dissabores pela cidade que amamos festejar.

‘Blocódromo’ oferece mais um capítulo do antigo plano que busca domesticar manifestaç­ões carnavales­cas

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