O Dia

A fragilidad­e humana

- Gabriel Chalita Professor e escritor

Aconversa que ouvi foi mais ou menos assim:

- Somos feitos de cristal, precisamos tomar cuidado.

- É.

- Se não souber pegar, quebra.

- É.

- Se usar de muita força...

- Preciso ir.

E alguma coisa mais depois que um dos dois deixou o elevador.

O que ficou prosseguiu me explicando:

- A gente tem que tomar cuidado até com quem diz que é amigo, eu já me quebrei muitas vezes.

Eu quis saber:

- E cristal quebrado, tem jeito? Ele riu.

- Sei lá, tem tanta coisa que eu não sei.

O elevador chegou ao térreo e saímos. E a imagem do cristal inteiro ou quebrado ficou em mim.

A metáfora do cristal pode funcionar. Temos que tomar cuidado com os outros e exigir dos outros o mesmo cuidado. Mas é difícil. Um cristal quebrado nunca volta a ser o que foi um dia. Mas e um ser humano? Como viver sem as quebradura­s na alma? Como nos defender a ponto de ninguém nos trincar?

Um cristal guardado e trancado em algum lugar talvez não corra riscos. Mas um cristal foi feito para ser usado. Para servir. Para embelezar. Para se encontrar com olhares, com mãos, com bocas.

Guardar os nossos sentimento­s com medo de que nos machuquem é desconside­rar a razão da existência dos sentimento­s.

Amar dá medo? Talvez. Tirarmos as nossas sandálias e pisarmos sem receio no chão do encontro dá medo? Pode ser que sim. Mas e então?

Não. Não somos cristais. O cristal trincado, quebrado, nunca volta a ser o que foi antes. Perde certamente o seu valor. No nosso caso, talvez não voltemos a ser o que fomos antes até porque mudamos o tempo todo. Mas, diferentem­ente do cristal, essas experiênci­as não retiram o nosso valor. Valemos mais por conhecermo­s mais as trincadura­s da alma. Por nos aproximarm­os mais dos calvários humanos.

O nosso sofrimento nos fará compreende­r melhor os sofrimento­s dos outros. Que linda palavra e que lindo significad­o tem a compaixão!

Queria ter conhecido mais as razões que fizeram aquele senhor, em um elevador, trazer a imagem dos cristais. Gosto de ouvir as histórias de vida que embelezam a vida.

Gosto da canção que diz que “cada um de nós compõe a sua história, cada ser em si carrega o dom de ser capaz, e ser feliz”. Com rachaduras ou sem. Com trincadura­s ou sem. Sem? Não. Não temos esse dom. Nossa capacidade é, apesar da fragilidad­e humana, ser feliz.

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