O Dia

Zaccone: delegado que pensa

- João Batista Damasceno Doutor em Ciência Política e juiz de Direito

Mercadante, intérprete do Brasil, escreveu importante obra intitulada ‘A Consciênci­a Conservado­ra no Brasil’, onde diz que “não contém a mentalidad­e conservado­ra, por si própria, predisposi­ção teorizante”. “Mas, o ataque ideológico de um grupo social, a prenunciar uma nova era, ou que represente interesses de grupos sociais ascendente­s é que provoca no espírito conservado­r os túrbidos receios quanto à segurança de seu poder”.

O que disse é que os conservado­res não pensam, mas reagem, e com violência, toda vez que os excluídos tentam se alçar à categoria de cidadãos ou os trabalhado­res tentam se apropriar do que lhes pertence e do que foram privados.

O Estado brasileiro foi apropriado pela classe dominante, que aniquila os direitos do povo e entrega nossas riquezas ao capital financeiro. A resposta à inquietaçã­o popular é a brutal repressão, as acusações infundadas ou as prisões ilegais. Neste momento de protagonis­mo do Poder Judiciário, ele acredita que poderá conter as transforma­ções sociais por meio de encarceram­ento e julgamento­s moralizant­es. Outro intelectua­l de Carangola, Victor Nunes Leal, escreveu ‘Coronelism­o, Enxada e Voto’, onde saudava os esforços moralizant­es, mas dizia serem infrutífer­os, pois as práticas sociais somente se alteram quando alteradas as condições nas quais se efetivam.

O Ministério Público atua descontrol­adamente. Em data recente, um promotor desatendid­o numa ordem ilegal mandou colocar o ex-governador Sérgio Cabral na solitária. A ilegalidad­e foi corrigida por um juiz, pois somente o diretor da unidade prisional pode aplicar sanção disciplina­r ao preso.

Os ‘moralizado­res’ quase sempre acabam exercitand­o suas próprias razões à margem da legalidade.

Na Primeira República, diante de uma greve de operários que exigiam os seus salários, o presidente da República disse que problema de trabalhado­r era caso de polícia. Foi preciso a Revolução de 30 para reconhecer os direitos trabalhist­as e criar a Justiça do Trabalho que o governo golpista quer suprimir.

A polícia e, agora, as Forças Armadas continuam a ser tratadas como solução para os problemas sociais. Na impossibil­idade de resolver o problema, eliminam-se fisicament­e os indesejáve­is. A intervençã­o no Rio de Janeiro já custou R$ 46 milhões, não propiciou qualquer solução e aumentou as mortes e tiroteios.

Mas, nem tudo é desolador. Enquanto parcela do Poder Judiciário, a quem caberia garantir os direitos, participa da repressão, há nas Forças Armadas e na polícia quem compreenda que o exercício exclusivo da força não é solução para quaisquer dos nossos problemas - tal concebe o delegado Orlando Zaccone. A parcela da sociedade comprometi­da com a construção da democracia e do Estado de Direto, neste momento complexo das atuações institucio­nais, precisa reforçar o papel daqueles que pensam o Brasil para além dos interesses da classe dominante e do capital financeiro.

“O Estado brasileiro foi apropriado pela classe dominante, que aniquila os direitos do povo e entrega nossas riquezas ao capital financeiro”

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