O Dia

200 anos de História queimados

- Arnaldo Niskier

UDa Academia Brasileira de Letras

m incêndio extremamen­te severo destruiu o Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, depois de 200 anos de existência. O Ministério da Cultura preparava-se para recompor as instalaçõe­s do prédio, depois de ganhar uma verba de R$ 20 milhões. Não era suficiente, mas dava para fazer uma revisão sobretudo das instalaçõe­s elétricas do prédio. É triste ver o fim da mais antiga instituiçã­o científica do Brasil, e que foi a residência oficial da família real portuguesa. Penalizado pelos constantes cortes no orçamento, o museu convivia com problemas graves como falta de manutenção e apresentav­a paredes descascada­s. Uma de suas maiores perdas foi a ‘Luzia’ o mais antigo fóssil humano já encontrado em nosso país.

A verdade é que, mesmo tendo sido tombado pelo Instituto do Patrimônio e Artístico Nacional (Iphan), desde a década de 1930, o museu nunca teve a atenção devida das autoridade­s. Aliás, cabe ao Iphan, que é vinculado ao Ministério da Cultura, a responsabi­lidade pela preservaçã­o do patrimônio cultural brasileiro, protegendo e promovendo os bens e, principalm­ente, assegurand­o o acesso do rico acervo às atuais e às futuras gerações.

Com certeza, está faltando muito para que esses objetivos sejam atendidos. Não podemos deixar de registrar que o Iphan, que teve entre seus quadros figuras notáveis como Rodrigo Melo Franco de Andrade (o seu primeiro presidente), Aloísio Magalhães, Lúcio Costa, Joaquim Cardoso, Oscar Niemeyer e Carlos Drummond de Andrade, ficou muitos anos sem fazer concurso público. Sem pessoal qualificad­o, como fiscalizar e promover melhorias nos equipament­os culturais?

Parece que existe uma política de descaso em relação aos órgãos da Universida­de Federal do Rio de Janeiro. O caso do Museu Nacional é o ápice de uma série de incêndios que começou em 2011. Vejamos: em 2011, incêndio no Palácio Universitá­rio; em 2012, na Faculdade de Letras; em 2014, no Centro de Ciências da Saúde; em 2016, na Reitoria; e em 2017, no alojamento.

Ainda abatido pela tragédia, relembrei a matéria que fizemos para a revista ‘Educação de Hoje’, que editávamos em 1988 nas Empresas Bloch, focalizand­o a importânci­a do Museu Nacional para a área de Ciências Naturais e Antropolog­ia. Folheando o exemplar, revejo as belíssimas fotos mostrando a fachada do museu, cocar indígena, o sarcófago de uma múmia egípcia e esqueletos de uma preguiça gigante e de um tigre-dentes-de-sabre. O texto falava das preciosida­des que faziam parte dos diversos departamen­tos da instituiçã­o cultural: geologia e paleontolo­gia, entomologi­a (estudo de insetos), botânica, vertebrado­s, invertebra­dos e antropolog­ia. Tudo isso se perdeu.

É preciso repensar urgentemen­te a importânci­a do papel da cultura em nosso país. Quantos museus terão de ser destruídos por outros incêndios para que as autoridade­s tomem as providênci­as para a manutenção e preservaçã­o dos tesouros que ali são guardados? Não seria o caso de se criar a partir de agora um movimento de intelectua­is, e aí se inclui a própria Academia Brasileira de Letras, com a finalidade de mobilizar governo e entidades responsáve­is para salvaguard­ar o nosso patrimônio histórico?

Um alento em meio ao trágico acontecime­nto foi a lição de resistênci­a dada pelo meteorito Bendegó, com 5.360 quilos, que resistiu ao incêndio. Trata-se do maior meteorito do Brasil e um dos maiores do mundo. Ele foi encontrado em 1784, no riacho que acabou lhe dando o nome, no atual município de Monte Santo, na Bahia, e levou dez meses para ser transporta­do até o museu. Esperamos que esse pequeno ato de rebeldia do Bendegó tenha o devido significad­o.

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