O Dia

Baixada: violência histórica e ramificaçõ­es

- Lorene Maia

NMestre em Políticas Públicas e articulado­ra do Fórum Grita Baixada

ão são frequentes as notícias sobre a Baixada Fluminense nos grandes veículos de comunicaçã­o. Comparada à cidade carioca, a região sai em desvantage­m quando o assunto é a publicidad­e em torno do que acontece nos 13 municípios que a compõe (Itaguaí, Paracambi, Seropédica, Japeri, Queimados, Nova Iguaçu, Mesquita, Belford Roxo, Nilópolis, São João de Meriti, Duque de Caxias, Guapimirim e Magé), mesmo quando se trata de homicídios, que correspond­em a quase o dobro dos ocorridos na capital.

Ainda na fase de loteamento do território da Baixada, em que lotes de terras eram vendidos à população trabalhado­ra que chegava em busca de moradias mais baratas nas proximidad­es da capital, grupos de matadores já atuavam aqui, em um contexto que deu surgimento à histórica figura de Tenório Cavalcanti, líder político cuja trajetória está associada à violência na região, iniciando uma trama de patronagem local, com justiceiro­s exercendo o poder e projetando-se como “líderes” regionais na política.

Assim, além de ser reconhecid­a como o espaço de moradia da classe trabalhado­ra, a Baixada ganhou também a imagem de região violen- ta. Marcada pelas várias chacinas iniciadas ainda com os esquadrões da morte na Ditadura Militar (19641985), e que se desdobrara­m entre os inúmeros assassinat­os nos anos 80 e 90, organizado­s pelos grupos de extermínio, a região permanece dominada por grupos criminosos civis-militares e, mais recentemen­te, também pela expansão do tráfico de drogas.

A ideia de região violenta está também associada à noção de subalterni­dade em relação à capital. Não à toa as periferias limítrofes à cidade carioca possuem índices de violência mais altos. Dados do ISP demonstram que, na Baixada, a taxa de assassinat­os é de cerca de 80 pessoas para cada 100 mil. Esses dados são calculados a partir da taxa de letalidade violenta, medida em relação aos crimes contra a vida.

Na cidade do Rio de Janeiro, o número de mortes é de 40 para cada 100 mil, o que corrobora a visão daBaixada como um dos território­s mais violentos do Rio.

O ‘Atlas da Violência 2018’ trouxe uma realidade ainda mais cruel: dois municípios da Baixada figuram entre os dez mais violentos do Brasil. Dados de 2016 inserem Japeri na sexta posição (95,5 mortes para 100 mil habitantes) e Queimados como a campeã brasileira da violência (taxa de 134,9 mortes). Somam-se a isso casos de desapareci­mentos forçados e de assassinat­os não comunicado­s, muito comuns na região.

Associada a toda essa violência está também uma simbólica construção do poder. Poderes locais, tais como o tráfico e a milícia, “tidos como paralelos ao Estado”, não só preservam em suas composiçõe­s agentes públicos, como continuam por ocupar os cargos no executivo e no legislativ­o municipal. Outrora conhecidos como “coronéis”, são políticos que continuam a preservar seus feudos, seja pela força ou associando-se com o crime, como em Japeri, onde prefeito e presidente da câmara, acusados de associação com tráfico de drogas, foram presos em uma operação da Polícia Civil com o Ministério Público do Rio de Janeiro.

Uma realidade retratada no documentár­io “Nossos Mortos Têm Voz” que, 13 anos após a maior chacina do estado do Rio de Janeiro, ocorrida na Baixada em 2005 (quando 29 pessoas foram assassinad­as por policiais), revela o depoimento de mães e familiares de vítimas da violência de estado na Baixada. Uma violência que acomete, sobretudo, jovens pobres e negros.

Por fim, é preciso salientar que a violência se manifesta mais intensa na Baixada não por ser um território naturalmen­te violento, mas por ser um espaço violentado por um projeto histórico de segregação, construído de maneira consciente por um Estado capitalist­a que, se por um lado produz regiões vendáveis, por outro, produz àquelas que devem compreende­r toda a sorte de abandono público.

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