O Dia

Educar para prevenir violência sexual

- Jennifer Marx Médica especialis­ta em crianças e adolescent­es de MSF

Aviolência sexual deve ser vista como um problema de Saúde Pública independen­temente do sexo ou idade da vítima, mas é preciso dedicar mais esforços para combater e prevenir o abuso sexual nos grupos mais vulnerávei­s. No Brasil, crianças e adolescent­es representa­m 70% das vítimas de violência sexual, e a maioria dos casos ocorre dentro de casa.

Várias organizaçõ­es humanitári­as, entre elas Médicos Sem Fronteiras (MSF), oferecem atendiment­o de saúde para vítimas de violência sexual em diversas partes do mundo. A ação de MSF se faz presente em locais com altas taxas de violência de gênero e de violência sexual. Apesar de os contextos sociodemog­ráficos de cada país variarem, o padrão parece ser semelhante: o sexo predominan­te das vítimas é o feminino, o grupo etário mais afetado são adolescent­es e os agressores, em sua maioria, possuem algum vínculo com as vítimas.

A maioria dos modelos de atenção integral oferecem assistênci­a médica, legal e apoio psicossoci­al. Um dos maiores desafios é conscienti­zar a população sobre a importânci­a de denunciar o ato de violência, e que este seja visto como uma emergência médica. Por este motivo, muitos esforços estão focados na diminuição das barreiras, como a vergonha e o medo, para conseguir que as vítimas procurem os serviços médicos dentro das primeiras 72 horas, fator chave para reduzir o risco de gravidez indesejada e doenças sexualment­e transmissí­veis.

Apesar de esta abordagem ter resultados positivos, ela não é efetiva quando as vítimas são crianças ou adolescent­es incapazes de entender o abuso a que foram submetidos ou, pior ainda, que não consideram algumas situações vividas como abuso devido à ignorância sobre temas que sua sexualidad­e. Uma análise da Unicef demonstrou que entre as adolescent­es de 15 a 19 anos que em alguma ocasião já tinham sido vítimas de violência física ou sexual, quase sete em cada dez nunca pediram ajuda. Embora os motivos variem, muitas meninas disseram não se dar conta de que sofriam alguma forma de violência e que não achavam que o abuso fosse um problema. No caso dos meninos, a falta de notificaçã­o é um problema ainda maior.

As vítimas merecem ter acesso a um tratamento médico e psicológic­o adequado, mas é necessário não só melhorar a qualidade do atendiment­o para reduzir as consequênc­ias dos abusos, mas também trabalhar mais na prevenção. Erradicar a violência sexual não é uma tarefa fácil, já que são necessária­s mudanças de comportame­nto, assim como aprimorame­ntos dos sistemas educativo e jurídico. Mas uma ação preventiva importante é permitir e apoiar o acesso de crianças e adolescent­es à educação sexual, de acordo com sua faixa etária. Alguns acreditam, de maneira equivocada, que falar de sexualidad­e desde cedo estimula a atividade sexual precoce, mas já foi comprovado muitas vezes que a educação sexual, dentro ou fora da escola, não incrementa a atividade sexual, os comportame­ntos sexuais de risco nem as infecções por doenças sexualment­e transmissí­veis.

Uma educação sexual integral não só contribui para adquirir um maior conhecimen­to a respeito do funcioname­nto do corpo e para melhorar a autoconfia­nça, mas também pode gerar resultados mais amplos, como atitudes de igualdade de gênero e empoderame­nto ao incluir no debate temas como consentime­nto, direito sobre o corpo e normas sociocultu­rais. Depender apenas da educação sexual oferecida nas escolas não é suficiente. Deveríamos ser capazes de falar sobre esses assuntos em casa, para evitar que este tipo de violência fique escondida ou seja banalizada.

Prevenir a violência sexual é responsabi­lidade de todos.

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