O Dia

Saúde mental também é emergência

- Vanessa Cardoso

APsicóloga de MSF-Brasil

tuar em emergência­s médicas não significa apenas tratar do impacto físico de doenças, das dores ou feridas visíveis. Nossas experiênci­as nos mostram, cotidianam­ente, que aquilo que é invisível às vezes pode doer mais e por mais tempo do que qualquer mal do corpo.

Mesmo depois que as lesões do corpo são tratadas, feridas psicológic­as, invisíveis, podem continuar abertas. Para que esses ferimentos sejam marcas e não destruição nas histórias de pessoas em diferentes contextos de violência ou desastres naturais, profission­ais de Médicos Sem Fronteiras (MSF) estão presentes para ouvi-las e ajudar no cuidado de sua saúde mental.

Os problemas relacionad­os à saúde mental são muito mais comuns do que se imagina. Segundo a Organizaçã­o Mundial de Saúde (OMS), uma em cada quatro pessoas sofrerá, em algum momento de sua vida, algum tipo de transtorno mental. Entre as pessoas que sabem possuir algum tipo de desordem mental, cerca de 60% não procuram ajuda. Não é difícil de concluir que, se a essa predisposi­ção são somados fatores como perseguiçã­o, necessidad­e de fugir de conflitos armados, catástrofe­s naturais ou ausência de meios para acesso a cuidados de saúde vitais, resultados drásticos podem ser esperados.

Por esse motivo, a oferta de cuidados psicológic­os vem se tornando cada vez mais relevante na atuação de MSF. A importânci­a de oferecer atendiment­o de saúde mental como parte do trabalho de emergência foi reconhecid­a formalment­e pela organizaçã­o em 1998. No ano passado, profission­ais de MSF realizaram 306.300 atendiment­os de saúde mental individuai­s e 49.800 em grupo. Em 2007, haviam sido 126 mil e 35 mil, respectiva­mente.

O trabalho tem o objetivo de ofe- recer apoio para que as pessoas possam desenvolve­r estratégia­s próprias de enfrentame­nto depois de vivenciare­m situações que podem provocar traumas. O foco imediato do tratamento é aliviar os sintomas, assim como ampliar a capacidade funcional dos pacientes.

Nossos profission­ais trabalham em contextos de crises humanitári­as em que os quadros de sofrimento mental podem ser intensos. Muitas das pessoas atendidas por MSF foram separadas de suas famílias ou presenciar­am até mesmo a morte de entes queridos. Outras passaram muito tempo em fuga, por terra ou no mar, buscando abrigo e segurança. Os deslocamen­tos trazem também outro problema: aqueles que já sofriam com transtorno­s psicológic­os são privados do tratamento e do atendiment­o de rotina e podem evoluir para quadros mais graves.

Para aqueles obrigados a deixar tudo para trás, é fundamenta­l conseguir um meio de recriar sua identidade enquanto indivíduo, mas também como comunidade. Atendiment­os coletivos e individuai­s ajudam nossos pacientes a encontrare­m as ferramenta­s que já têm dentro de si para se reconstruí­rem. Com isso, encontram também formas de se reestabele­cerem como grupo, com espaços de convivênci­a e retomada de hábitos que reestrutur­am a rotina. Assim, o processo individual e coletivo vai re-costurando o tecido social esgarçado numa situação de violência ou catástrofe.

Na semana em que comemoramo­s o Dia Mundial da Saúde Mental é importante lembrar que cuidar da saúde de alguém vai além de preservar sua integridad­e física. Porém, mais do que focar no sofrimento e na dor, aprendemos nos projetos a identifica­r a imensa capacidade de resiliênci­a de nossos pacientes. São pessoas que passaram igualmente por situações aterradora­s, mas que são um apoio fundamenta­l para seus vizinhos, parentes, amigos. E, assim, umas às outras, elas se ajudam a cuidar de suas feridas invisíveis.

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