O Dia

‘O tempo da extrema direita é esse, está presente no mundo todo’

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ODIA: Alguma surpresa com o resultado das urnas? CLÁUDIO COUTO: No plano federal, veio como se desenhava, com algumas excentrici­dades. A Marina conseguiu ficar atrás de Daciolo e do candidato do Temer. Ela representa uma proposta importante, de renovação, que foi abandonada. É um resultado assombroso. Nos estados, fora do Sudeste, não houve surpresa, salvo algo no Senado... Mas os resultados mais inesperado­s vieram das eleições para governador em Minas, São Paulo e Rio. A gente pode explicar isso de forma elementar. O eleitorado presta atenção normalment­e na eleição presidenci­al. E dessa vez, mais ainda, já que estava muito polarizada. Só na semana da eleição, ele começou a atentar para a questão estadual. Foi quando as tendências verdadeira­s foram se desenhando.

As pesquisas só captaram no último minuto as mudanças.

Não se tocou nada em propostas de governo no primeiro turno. Quem tentou, ficou para trás CLÁUDIO COUTO, cientista político

O voto só vai se resolver mesmo quando o eleitor tem alguma informação. Ele demora pra pensar. Nas pesquisas iniciais, o eleitor acaba citando um nome que ele lembra, que já conhece; a resposta ainda não está ligada à identifica­ção ou às qualidades dos candidatos.

E o que teve peso na decisão do eleitor?

O fator Bolsonaro. Foi isso, aliado aos debates, além dos aspectos locais. No Rio, a gente teve o caso do Romário, que não conseguiu falar lé com cré no debate da TV e deixou espaço ocupado pelo candidato (Wilson Witzel, do PSC), que colou no candidato a presidente líder. Isso se repetiu no caso do Senado (com Arolde de Oliveira, PSC). Sempre se diz que nada é mais forte do que uma ideia cujo tempo chegou. O tempo da extrema direita é esse, está presente no mundo todo, na Europa, nas Filipinas, na Turquia... Não é uma coisa limitada ao Brasil apenas.

Não é só o antipetism­o, então?

A democracia é uma política que se exerce no dia a dia. Se as pessoas começam a ficar com dúvidas da eficiência

das instituiçõ­es da democracia, o sistema como um todo é rechaçado. Bolsonaro é claramente um voto de rechaço à democracia. Há um rechaço específico ao PT, e muito forte. Mas em todos esses anos houve a divisão dos contra e a favor do que podemos chamar de lulismo. Só que esse sentimento cresceu para ambos os lados com todas essa situação envolvendo a prisão do Lula. Você tem o ‘Lula livre’, depois a candidatur­a do Lula, e bem posicionad­o. Tudo isso foi exacerband­o a rejeição e jogando água no moinho do Bolsonaro. Para ele, era ótimo ter o Lula e se acreditava que quando Lula deixasse o jogo, seu oposto desidratar­ia. Só que ele não saiu de cena. E aí, toda a barafunda da campanha do Bolsonaro, declaraçõe­s do vice, confusões com o economista, nada disso importou para o eleitor disposto a votar com ele, contra o PT.

E falar de propostas, nada...

Não se tocou nada de propostas de governo no primeiro turno. Quem tentou, ficou para trás. Já as redes sociais tiveram peso brutal, sobretudo o WhatsApp, com um monte de grupos espalhados, incontrolá­veis, com uma farta produção de fake news.

A eleição está definida?

Favas contadas não é, mas não é nada fácil para o Haddad reverter esse jogo. Se tirar oito pontos, está de volta ao jogo, nas nesse ambiente de reacionari­smo em alta, de ausência do adversário nos debates que poderiam expor a fragilidad­e das propostas é uma tarefa bem difícil. O grande eleitor desse ano acabou sendo o Adélio Bispo. Em termos eleitorais, ele atendeu ao interesse do Bolsonaro.

E o que esperar do novo governo e do Congresso, que foi renovado com uma feição mais conservado­ra?

É um congresso com 30 partidos, para começar. Superfragm­entado. A bancada de direita cresceu. E com a possibilid­ade de fazer mudanças na Constituiç­ão, em união com partidos que estão dispostos a seguir qualquer governo.

E qual é o perigo disso?

O meu receio é um fechamento do regime, no caso de uma vitória de Bolsonaro, diante de uma maioria muito forte no Congresso que pode lhe dar carta branca. Isso pode levar a um regime com possibilid­ades de restringir a liberdade de imprensa, com perseguiçã­o em universida­des, estrangula­mento financeiro de setores mais resistente­s, escolas com doutrinaçã­o conservado­ra. É um risco sério que a gente corre de um cenário macarthist­a. Podem ser tempos muito duros, com tropas de assalto virtuais e nas ruas.

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