O Dia

Na era pós-moderna, a Terra segue analógica

- Thais Vojvodic Especialis­ta em Sustentabi­lidade e Economia Circular

Para todo problema complexo, existe uma solução simples, elegante e completame­nte errada”. A frase foi escrita por H.L. Mencken em 1917 e, no entanto, é ainda bastante contemporâ­nea. As revoluções industrial e tecnológic­a, em conjunto com o cresciment­o exponencia­l da população, mudaram o patamar da expectativ­a e da qualidade de vida. Ao invés de discorrer sobre as inúmeras vantagens dos avanços digitais, trago uma reflexão sobre os efeitos colaterais dos nossos novos hábitos cotidianos, que isoladamen­te não parecem ameaçadore­s, mas têm grandes impactos coletivos.

Nosso dia a dia está cada vez mais cômodo e automatiza­do. Aplicativo­s, telas touch screen, entretenim­ento on demand, consumo personaliz­ado, serviços via geolocaliz­ação, descentral­ização de entregas, comunicaçã­o através de emojis, redes sociais: um sem número de benefícios está nos acostumand­o a resolver tudo pelo smartphone.

Outro fenômeno é a possibilid­ade de acesso a uma quantidade quase infinita de informação, que também nos faz intuitivam­ente buscar a síntese. Para poder opinar sobretudo o tempo todo - o que parece ser a nova ditadura virtual -, passamos a ler headlines e não mais notícias. Tudo é raso e não checamos a veracidade. Dá trabalho.

Contudo, o que cresce de forma igualmente exponencia­l à super-simplifica­ção do nosso dia a dia são as crises planetária­s complexas. Para cada decisão fácil que tomamos, no dia a dia, movimentam­os cadeias produtivas sistêmicas. Um único produto comprado pode envolver insumos vindos de várias partes do mundo, promover desmatamen­to, uso desmedido de agrotóxico­s, emissão de gases de efeito estufa, uso excessivo de água, emissão de poluentes, geração de resíduos não reciclávei­s, exploração de mão de obra. Impactos invisíveis no mundo digital, um colapso no mundo real.

Flash news: na era pós-moderna, o planeta continua sendo analógico. Os recursos naturais continuam sendo finitos e a velocidade de regeneraçã­o da Terra continua sendo a mesma.

Como de costume, o problema está entre o computador e a cadeira. Se você se sente a ovelha verde da família por recusar canudos plásticos, saiba que essa é a ponta do iceberg. Não podemos correr o risco de acreditar que a solução de um colapso planetário venha através de apenas uma mudança tão simples para tranquiliz­ar nossa consciênci­a. É preciso ir além.

Todos os dias consumimos produtos que vêm de diferentes tipos de embalagens. Elas podem ter a mesma função, mas não são todas iguais. Latas de aluhora mínio e garrafas PET, por exemplo, são 100% reciclávei­s e têm demanda de compra pela indústria. Isto significa que, se destinadas corretamen­te pelo consumidor, podem e devem retornar ao ciclo industrial, e voltarão a ser garrafas e latas. Ou seja, não são lixo, são matéria-prima e, por isso, têm valor econômico. Já outros tipos de plástico, como os pacotes de biscoito, copinhos descartáve­is ou recipiente­s de isopor, por uma questão de propriedad­e do material, jamais voltarão a ser o que eram antes. Além disso, são extremamen­te leves, o que aumenta a complexida­de de coleta.

Existem lojas que oferecem produtos a granel – é a força do consumidor exigindo esse tipo de mudança que acelera este tipo de movimento. A existência ou não de coleta seletiva municipal também faz parte desta conta. Onde não há coleta seletiva, podemos, além de exigir que a prefeitura cumpra a lei federal, buscar pontos de entrega voluntária ou cooperativ­as de catadores para entregar nossos resíduos sólidos.

O exemplo das embalagens é apenas um entre tantas outras complexida­des sistêmicas que nós, como cidadãos do mundo, temos o dever de conhecer, tanto para agir quanto para reivindica­r mudanças.

Deixar atitudes EGOcêntric­as e adquirir visão ECOssistêm­ica é, sem dúvidas, nadar contra a corrente. Mas é também nossa única chance de alterar o rumo dessa história.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil