O Dia

Para Marieta Severo, a fase do país é esquisita, mas vai passar

Atriz fala do novo filme, ‘A Voz do Silêncio’, que estreia hoje, e mostra preocupaçã­o com os rumos da cultura

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Grande atriz multimídia — de teatro, cinema e TV —, você pode pensar que, justamente por isso, Marieta Severo prescinde de preparação. Basta ler o roteiro do filme, da novela, da peça, para saber o que fazer. “Mas de onde você tirou isso?”, diz Marieta ao repórter. O tema é a estreia, hoje, do longa de André Ristum, ‘A Voz do Silêncio’, em que ela está magnífica, mas também poderia ser o filme que roda no Rio, a preocupaçã­o com o salto no escuro que o Brasil está dando com o novo governo etc. Motivos para preocupaçã­o não faltam, mas Marieta não desanima. É o lado Dona Nenê — sua personagem no seriado ‘A Grande Família’ — da estrela. “Dificuldad­e faz parte. A gente enfrenta, supera, não se rende”, diz.

É interessan­te parar um pouco, e retroceder. Marieta ainda precisa se preparar para um papel? “Claro! É a parte que mais gosto. Estou sempre aprendendo com minhas personagen­s”. A Maria Cláudia de ‘A Voz do Silêncio’ leva uma vida solitária, idealizand­o o filho que caiu no mundo e brigando com a filha que está ali ao lado. Maria Cláudia não bate bem. “Para entender o isolamento e o sofrimento de uma mulher, fui à fonte da dra. Nise da Silveira. Li nos seus escritos, revi os filmes de Leon Hirszman, ‘A Trilogia do Inconscien­te’ ”, conta.

“O roteiro é muito bem escrito, mas eu precisava mais. Queria entender por que ela é assim e como a repressão a paralisou. Maria Cláudia é uma personagem muito triste. Não vou dizer que tive prazer em interpretá-la, mas é sempre bom entender o outro, principalm­ente quando é tão diferente de nós”, diz.

É assim que Marieta Severo funciona como atriz, tentando entender suas personagen­s, para melhor expressá-las — no teatro, cinema e TV. Justamente, a televisão. Contratada da Globo, sua personagem mais recente foi a vilã Sophia da novela ‘O Outro Lado do Paraíso’. Ela não está nem um pouco aflita para voltar à telinha. “Gosto de dar um tempo, que me esqueçam”, diz.

Isso não significa que esteja parada. Agora mesmo, roda um filme na Ilha de Paquetá, no Rio. Com roteiro e direção de Zeca Ferreira, o longa se chama ‘Noites de Alface’ e é inspirado no romance homônimo da escritora paulistana Vanessa Barbara. Mostra a solidão de Otto (Everaldo Pontes), após a morte da mulher, Ada — a personagem de Marieta. O roteiro é permeado de humor e pitadas de suspense.

Marieta também filmou com a atriz, nesse caso diretora, Maria de Medeiros e José de Abreu, ‘Aos Nossos Filhos’. O roteiro é baseado na peça de Laura Castro sobre o conflito de gerações, homossexua­lidade e novas conformaçõ­es familiares. Mãe que foi guerrilhei­ra tem de lidar com a revelação da filha de que vai ter um filho com a companheir­a.

“Fiz minha lição de casa, pesquisei muito sobre os anos de chumbo, a guerrilha, a repressão do regime militar. Vivi tudo isso como mulher do Chico (Buarque de Holanda), que estava sempre na mira da ditadura. Mas era uma coisa meio irreal, eu era muito jovem. Me colocar agora na pele dessa mulher me deu outra visão e o que pesquisei foi muito revelador”, conta.

Marieta anda muito preocupada com os rumos da cultura no país. “Estão tentando nos criminaliz­ar (a classe artística), mas eu sei bem por que isso ocorre. Porque somos críticos, incômodos, dizemos o que muita gente não quer ouvir”, afirma ela, que é sócia de Andréa Beltrão nos teatros Poeira e Poeirinha, no Rio. “Não somos empresária­s pelo prazer de programar, para ganhar dinheiro. Andréa e eu operamos no vermelho. Tem coisas para as quais não temos patrocínio, mas a gente põe dinheiro porque acredita. No teatro, no Brasil, no público. As coisas estão esquisitas, mas é uma fase. Vai passar”.

“Estão tentando nos criminaliz­ar, mas sei bem por que isso ocorre. Porque somos críticos”

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RAQUEL CUNHA/TV GLOBO Marieta Severo é protagonis­ta do longa ‘A Voz do Silêncio’, que trata da solidão nas grandes cidades

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