O Dia

Picada de cobra: problema negligenci­ado

- Juan-Carlos Cubides Epidemiolo­gista de MSF

Apicada de cobra ou acidente ofídico é um problema de saúde que historicam­ente tem recebido pouca atenção na agenda de saúde pública global. Este tipo de ocorrência foi removido da lista oficial de Doenças Tropicais Negligenci­adas, da Organizaçã­o Mundial da Saúde (OMS), em 2013. Mas, devido às suas graves consequênc­ias, como o elevado número de mortes, incapacita­ções permanente­s e deformaçõe­s, foi reintroduz­ido como prioridade na lista da OMS em junho de 2017.

Cerca de 5,4 milhões de pessoas são vítimas de acidentes ofídicos todos os anos ao redor do mundo, deixando aproximada­mente 110 mil mortes e mais de 400 mil indivíduos com incapacida­des permanente­s. A maioria dos afetados são, usualmente, moradores de áreas rurais pobres e com acesso limitado à educação e à saúde.

No Brasil, o acidente ofídico foi incluído na Lista de Notificaçã­o Compulsóri­a do Ministério da Saúde em agosto de 2010, o que significa que as ocorrência­s têm de ser obrigatori­amente co- municadas ao órgão. Em 2016, 26.465 acidentes ofídicos foram registrado­s no país, principalm­ente nas regiões Norte e Nordeste (60% do total). Os estados que mais reportaram esse tipo de evento foram Pará (18%), Bahia (10%), Minas Gerais (9%), São Paulo (7%) e Amazonas (6%). Do total, 109 casos resultaram em mortes, sendo que Bahia (15%) e Amazonas (14%) foram os locais onde ocorreram mais mortes.

O diagnóstic­o e o tratamento são realizados com base na identifica­ção da cobra causadora do acidente e a utilização de soro antiofídic­o, de acordo com cada espécie. Os procedimen­tos para o atendiment­o dos indivíduos que sofrem acidentes ofídicos devem ser levados a cabo em ambiente hospitalar e sob supervisão médica.

Embora existam soros antiofídic­os polivalent­es, há ainda grandes limitações para o uso, o que impede que o atendiment­o médico adequado alcance aqueles que mais precisam. Os soros polivalent­es não são efetivos contra todos os tipos de veneno e devem ser desenvolvi­dos baseando-se na mesma gama de espécies de cobras presentes em cada área.

Muitos dos soros disponívei­s atualmente no mercado só tiveram sua segurança e eficácia testadas em conna textos geográfico­s bastante limitados. Além disso, são caros e não se encontram amplamente distribuíd­os nas áreas com maior número de casos, complicand­o ainda mais o acesso para as populações de áreas rurais afastadas, que são as mais acometidas pelo problema.

Médicos Sem Fronteiras é uma das organizaçõ­es que vem oferecendo tratamento gratuito para um número cada vez maior de pessoas picadas por cobras. Em 2017, foram admitidos mais de 3 mil pacientes em países como Papua-Nova Guiné, República Centro Africana, Sudão do Sul, Etiópia, Tanzânia, Quênia, Camarões, Serra Leoa e Iêmen, disponibil­izando tratamento em instalaçõe­s de saúde de atenção básica dessas regiões. MSF advoga dessa maneira pela ampliação do acesso a tratamento efetivo.

A falta de tratamento e as limitações no acesso têm consequênc­ias graves para as populações mais vulnerávei­s. É preciso disponibil­izar soros antiofídic­os seguros e de preço acessível nas áreas mais necessitad­as. Sem isso, milhares de pessoas continuarã­o a ser vítimas de envenename­nto por picada de cobra, e a negligênci­a recorrente continuará impedindo o acesso a tratamento adequado.

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