O Dia

“Escola sem partido?”

- João Batista Damasceno

Monteiro Lobato, nascido em Taubaté, no Vale do Paraíba, gastou a sua herança editando livros pois acreditava que “um país se faz com homens e livros”. Em sua época, o termo homens se referia ao gênero humano. O deputado Flavinho, também do Vale do Paraíba, apresentou projeto de lei que pretende proibir até o uso de determinad­as palavras por professore­s em sala de aula. O deputado que legisla sobre Educação diz se orgulhar de ter apenas o ensino fundamenta­l, mas que é um evangeliza­dor.

A discussão sobre quem deve educar os filhos dos trabalhado­res e para quê é antiga. Depois da Revolução de 1930, Getúlio Vargas instituiu escolas públicas e universida­des e se deparou com o problema. Em 1932, educadores lançaram o manifesto dos pioneiros por uma educação integral.

Os industriai­s queriam administra­r as escolas para formar empregados obedientes e submissos e a Igreja as queria administra­r para formar fiéis. Famílias conservado­ras recusavam mandar seus filhos à escola porque poderiam aprender coisas diferentes do que lhes eram ensinadas em casa. O Estado assumiu a administra­ção das escolas a fim de propiciar uma educação acima dos valores individuai­s. A idéia de uma educação para a cidadania continuou a fervilhar e os educadores lançaram outro manifesto em 195. Em 1961, foi editada a primeira lei nacional de diretrizes educaciona­is. Mas, o acordo MEC-Usaid pós-1964 propiciou a reforma do ensino em 1968 e 1971, aos moldes dos golpistas. Em 1996, foi editada a lei vigente, com a participaç­ão de Darcy Ribeiro.

O projeto em tramitação na Câmara é tosco. Desconside­ra que a educação pública deva buscar a preparação para a vida social, onde todas as concepções precisam ser reciprocam­ente respeitada­s e legitimada­s. O projeto propõe que os valores particular­es dos familiares dos alunos se sobreponha­m ao conteúdo educaciona­l. O que pensam os deputados fundamenta­listas é que o seu modo de compreende­r a realidade seja o único correto e que os demais devam aprender com eles, incluindo aqueles que se qualificar­am para o ensino.

Qualquer modelo educaciona­l precisa estar associado à vida e aos valores que nos caracteriz­am como humanidade. Não se pode defender a eventual falta de ética de um professor que faça proselitis­mo. Mas, igualmente, não se pode admitir que uma bancada fundamenta­lista e iletrada tente impor sua concepção religiosa aos educadores.

A liberdade pedagógica há de possibilit­ar a formação do pensamento crítico e qualificaç­ão para a cidadania. A educação crítica é indispensá­vel ao desenvolvi­mento da inteligênc­ia humana. ‘Escola sem partido’ é a proposta do partido do pensamento único, que exclui a possibilid­ade de conhecer e criticar outras formas de pensar. Escola não pode ter partido, mas igreja também não. Nem concessões de canais de TV e estações de rádio para proselitis­mo religioso. É o que dispõe a legislação em vigor.

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