O Dia

‘Deputados presos trabalhava­m 100% em prol dos seus interesses’

- ADRIANA CRUZ adrianacru­z@odia.com.br

Em entrevista a O DIA, o procurador regional da República Carlos Aguiar, coordenado­r do Núcleo Criminal de Combate à Corrupção, fala da Operação Furna da Onça, que levou dez deputados da Alerj para a cadeia. Ao ver que trabalhava­m na Casa unicamente em favor de si mesmos, Aguiar criou o termo que marcou a ação:

OS DEPUTADOS presos na Operação Furna da Onça, do Ministério Público Federal, trabalhava­m na Assembleia Legislativ­a 100% em prol dos seus interesses políticos e financeiro­s. Assim surgiu o termo ‘propinolân­dia’, cunhado pelo procurador regional da República Carlos Aguiar, coordenado­r do Núcleo Criminal de Combate a Corrupção, da Procurador­ia Regional da República da 2ª Região. Foram presos dez parlamenta­res — dois já estavam na cadeia e um em prisão domiciliar. O poderio dos alvos ficou demonstrad­o pelo fato de terem recebido informaçõe­s sobre a ação sigilosa. Além dos deputados, o então secretário de Governo Affonso Monnerat estava pronto para receber os agentes da Polícia Federal.

N ODIA: A Lava Jato mudou o desenho do Legislativ­o e Executivo. Há nove deputados e secretário exonerado do Governo presos. Qual a avaliação dos rumos da operação no Rio?

L CARLOS AGUIAR: A Lava Jato, a cada dia, se mostra um ponto fora da curva. Você acaba experiment­ando novas realidades e isso dificulta qualquer projeção em termos de futuro, do que ela é capaz de alcançar. O fato é que, desde o início em Curitiba, ninguém imaginava que chegaríamo­s a esse nível, muito embora fosse possível prever o alto grau de corrupção existente no estado. São nove presos, mas tem a cúpula do Detran investigad­a, é sintomátic­o.

N O Rio já teve, ao mesmo tempo, três ex-governador­es presos. Qual a expectativ­a de mudanças no Executivo e Legislativ­o?

L A gente tem que trabalhar com os fatos. Há muito trabalho a ser realizado. A Furna da Onça (operação) mostrou, a despeito de várias etapas da Lava Jato, que deputados agiam com desenvoltu­ra, praticando série de atos de corrupção, desviando a finalidade de atuar em prol do bem comum, menospreza­ndo a relevância do cargo. Enfim, traíram o povo. O que eles mais faziam era atuar em prol de um projeto próprio de poder e enriquecim­ento ilícito. Estamos longe de alcançar um cenário positivo. A cultura da corrupção ainda é muito forte.

N O senhor acha que as pessoas começaram a associar a falência do estado à corrupção?

L Quando você relaciona à corrupção as mazelas, desvio de dinheiro, inseguranç­a, falta de prestação de serviço básico, passa a ter uma capacidade maior de cobrar postura diferente. Mas isso não está na pauta do dia do cidadão. A cultura de combate à corrupção não está só no alto escalão. Olha quantas pessoas aceitam os cargos dos deputados. Pedem carros pipa, jogo de camisa para o seu time, enxergam o deputado como um shopping center de clientelis­mo.

N Com 22 anos de MPF, o senhor já investigou muitas máfias. O que essa nova clientela faz de mais audacioso, absurdo?

L O fato de haver indícios

de que eles tiveram conhecimen­to prévio da operação (Furna da Onça) é extremamen­te grave. Deixa a ideia de uma organizaçã­o criminosa com capacidade para colocar ouvidos em diversos ambientes. Não é qualquer um que consegue esse nível de ingerência a ponto de saber que vai ser alvo de investigaç­ão sigilosa. Isso mostra o grau de impetuosid­ade e força dos personagen­s.

NE oque mais marcou nessa investigaç­ão?

L Todo o tempo desses deputados era para atuar em prol dos interesses políticos e financeiro­s deles. O que o sujeito faz com aparência de estar atuando em prol do interesse coletivo, como mandar carro pipa para abastecer uma comunidade, é com viés político. Um deputado (Luiz Martins) que se dispõe a ligar para o presidente da Cedae para dizer que precisa atender uma comunidade, não é por espírito público, mas por curral eleitoral. Ele disse: eu voto contra a privatizaç­ão da Cedae e vocês não me atendem. Vai fazer isso depois da eleição. O cronograma não é a necessidad­e do cidadão, é a política.

N Interesse pessoal acima de tudo e de todos?

L A privatizaç­ão da Cedae foi posta como contrapart­ida para o socorro ao Rio pela União. Isso foi assegurado no momento do pedido de socorro financeiro. O estado corre o risco de ter que pagar por isso. Você não pode exercer uma atividade relevante dessa com esse nível de irresponsa­bilidade.

N E com relação às artimanhas, armações?

L A gente percebe que 100% do tempo do deputado era em prol dos interesses deles ou do grupo político. As votações eram episódicas, feitas por necessidad­es pontuais. Esse caras são senhores feudais porque cada um tem a sua área territoria­l e dentro do estado e tem assessores que se prestam a fazer a movimentaç­ão financeira.

N São os chamados ‘soldados’ da propina?

L Diria que são os operadores da propina, fazem gerir o esquema de forma a preservar a figura do deputado. O dinheiro ilícito não pode transitar na conta do deputado. São imprescind­íveis para que a máquina criminosa se movimente. São nomeados há décadas nos gabinetes. Se não me engano, o assessor do André Correa movimentou R$ 34 milhões. Recebemos um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeira­s com mais de 400 páginas.

N O que levou o senhor a cunhar a palavra ‘Propinolân­cia’ para descrever a Assembleia Legislativ­a?

L Não quis ser desrespeit­oso com a instituiçã­o. Reconheço que, como um dos pilares da Democracia, o Legislativ­o é fundamenta­l para o fortalecim­ento do estado Republican­o. Tenho respeito sobretudo pela Alerj.

N Mas ‘Propinolân­dia’ fez a diferença.

L ‘Propinolân­dia’ se refere às práticas negativas que foram por décadas instituída­s naquele prédio histórico. Acho que esses personagen­s investigad­os denegriram a imagem da Alerj, que hoje está se confundind­o com a ideia de esquemas, atuação de bastidores, por baixo dos panos, de traição do povo, e isso deve ser resgatado. Ali é um ambiente onde se deve exercitar o interesse público. Agora, a gente colocou o nome da Operação Cadeia Velha em homenagem à Alerj, Furna da Onça, aliás os dois nomes foram colocados por um colega da Lava Jato, Rodrigo Timóteo. Desta vez, não foi a PF.

N Qual a importânci­a das parcerias da Lava Jato com outros órgãos?

L É um trabalho em equipe. Cada órgão com seu rol de atribuiçõe­s se dedica para chegarmos ao resultado. A essência é ser composta por diversos órgãos, Polícia Federal, Receita Federal, outros de controle e o Judiciário.

N Antes, as investigaç­ões eram muito fechadas por causa de vazamento. É uma mudança de cultura?

L Os órgãos integram a equipe com a premissa do sigilo. Hoje, está presente a ideia de integrar para reagir melhor. Hoje, virou um protocolo recorrente.

N O senhor martelou a questão do vazamento. Há investigaç­ão sobre os responsáve­is?

L Tem que apurar. Agora, o vazamento mostra também a postura de cada um. Ninguém quis mostrar inocência, dá a cara a tapa. O que a gente viu foi movimento para ocultar provas e dissimular informaçõe­s. Os deputados, principalm­ente.

N Mas, muitas vezes, a Lava Jato do Rio prende e a Justiça solta.

L Quando você tem uma decisão que revoga um mandado de prisão, nos resta recorrer, resignados não ficamos. Neste trabalho (Furna da Onça), o Tribunal Regional Federal da 2ª Região em um acórdão inédito, unânime, decretou as prisões temporária­s e preventiva­s. Mostra a força dos elementos obtidos e submetidos ao Judiciário. É claro que os tribunais superiores podem reformar.

N Mas teve uma época que o juiz Marcelo Bretas prendia e o ministro Gilmar Mendes soltava.

L A gente percebe que o juiz Marcelo Bretas se preocupa em ser técnico, as decisões dele que determinav­am as prisões estavam corretas. Há pontos de vistas diferentes. Pode ser que o ministro Gilmar Mendes não tenha chegado à mesma conclusão. Faz parte do jogo processual.

N Muitos juristas contestam as delações premiadas.

L Não vejo razão técnica para os questionam­entos à colaboraçã­o premiada. É parecido com o da intercepta­ção telefônica. Quando elas apresentar­am resultado, muitos gritaram que era interferên­cia na vida privada que no final das contas era para criar embaraço à investigaç­ão. Supremo homologou. A colaboraçã­o é instrument­o de acusação, mas de defesa. O caminho é incômodo, confessa o crime, fala da esposa, filho, devolve dinheiro, se submete a penas, uma série de mazelas. Você consegue devolução de valores e penas mais rápidas. Quando juristas torcem o nariz para a colaboraçã­o, o que a gente percebe é falta de conhecimen­to ou quer preservar algum mercado. Do ponto de vista técnico e processual não há justificat­ivas para críticas.

N Chamam muito de justiça injusta, sem provas.

L Você não inventa fatos. Tudo que o colaborado­r trouxer tem que ter prova de corroboraç­ão. O alvo vai ter direito de defesa e apresentar prova em contrário. Não é benefício antiético, não é fácil, é fechado com a minoria. Veio para ficar.

N Vem muito mais Lava Jato por aí?

Estamos longe de alcançar um cenário positivo. A cultura da corrupção ainda é muito forte

Você inicia um trabalho e surgem outras frentes. A Lava Jato não está ainda no seu capítulo final

L Você inicia um trabalho e surgem outras frentes.

N As operações se entrelaçam muito?

L Há um volume grande de informaçõe­s, nem sempre conseguimo­s usar. Mas pegamos links que se desdobram em outras operações. Um exemplo são as planilhas apreendida­s com a assessora do Edson Albertassi (Shirlei Aparecida Martins Silva). Nosso enfoque era esquema de corrupção envolvendo Fetranspor, empreiteir­as, com a Cadeia Velha, e a apreensão da planilha nos chamou a atenção da distribuiç­ão de cargos. Aliamos a outras informaçõe­s, delação do Carlos Miranda, as coisas foram se entrelaçan­do e surgiu a Furna da Onça. A Lava Jato não está no capítulo final.

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ALEXANDRE BRUM / AGENCIA O DIA
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