O Dia

COLUNA ESPLANADA

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■ Virou uma febre no governo de transição em Brasília e entre governador­es que estreiam na gestão de seus estados recorrer à tecnologia de Israel – considerad­a a melhor do mundo – quando o assunto é Segurança Pública e combate ao terrorismo. Além do presidente Jair Bolsonaro (PSL), que pretende estreitar laços com o país, uma leva de novos governador­es prepara caravana para conhecer os produtos que podem auxiliar suas polícias.

Minha filha nasceu. Rosa é seu nome. Enfeitar a vida é seu destino. Olho para a mulher que amo e agradeço. Está linda entre os lençóis do hospital e um travesseir­o pouco confortáve­l. Faz gesto de um incômodo sem reclamar. Apenas me olha. Os nossos olhares dizem tanto!

Ainda está com dor, certamente. Mas o olhar nos conduz a tempos que ainda chegarão. Aos que teimam em dizer que o tempo esvazia o balde do amor, tenho a dizer que buscaram em fonte errada. Continuo e continuare­i olhando para a mulher que amo com o desejo de eternidade.

Enquanto beijo a menina, viajo pelo tempo do nosso primeiro encontro. Um dia de sol. Um pedido de informação em um praia de multidão. Como foi que nos vimos? Não sei. Como foi que nos unimos? Quem sabe? O destino existe?

No dia do nosso casamento, quando os meus joelhos beijaram o chão, eu agradeci. Na saída da Igreja, o luar dispensava outras formas de iluminação. E foi assim que prosseguim­os.

Rosa era também o nome da minha sogra. Viveu para ver o nosso casamento e depois partiu. A menina é o despertar de amanhãs que nos invade. Corre pela casa anunciando alegria. Ri de coisas simples e ensina que é nelas que deveríamos morar. Sempre.

Gosta de livros e de balas. A preferida é uma de doce de leite que faz com que ela suspire fundo expressand­o algum êxtase de prazer. A mãe é comedida. Balas em excesso não fazem bem. Eu sou mais permissivo. Finjo que não vejo e rio. No rio da vida, algumas pequenas distrações não perturbam o curso.

Já havíamos vencido o almoço, quando Rosa, olhando-me com olhos pidonhos, pediu a bala. A mãe me- neou a cabeça, mas concordou. “Apenas uma”, autorizou.

Saímos nós dois. Rosa e eu. Pequeninin­ha de mãos dadas. Os cabelos bem penteados. Uma pulseirinh­a cor de rosa, um saltitar de compreensã­o de uma vida nos seus inícios.

Na comunidade em que, a violência ainda teima em permanecer, os homens ainda engatinham na arte de compreende­r a beleza da paz. E, mais uma vez, houve um corre-corre. Pequei minha Rosa no colo e a protegi como pude. Os tiros vinham de onde nem se sabia. Abaixei. Escondi. E ouvi um grito de dor. Uma bala perdida atingiu uma criança. A mãe chorava o choro doído da injusta morte. Mais uma. Mais uma criança partindo prematuram­ente. Mais uma dor mostrando sua face. Meu Deus. Apertei ainda mais forte a que nasceu com o destino de enfeitar a vida e agradeci. Fui com ela abraçar a mãe e o seu luto. Fiz o que pude. Chorei junto.

A mulher que amo veio ao nosso encontro. Preocupada. Chorou tanto. Teve medo de ser sua filha. Teve culpa de pensar assim. Minha filha nos consolava quando, enfim, cumpriment­amos o tapete com os nossos corpos. Ficamos assim no chão. Sem chão. Com vontade de mudar dali. Com vontade de mudar ali.

A mãe da menina que morreu também havia ido comprar uma bala para sua filha. Uma bala que apenas adoça e faz rir.

Rosa, sentada no sofá, nos observava. “Calma, papai, calma, mamãe. Eu vou crescer e vou cuidar de todo mundo. E ninguém mais vai fazer maldade”.

Uma brisa de ingenuidad­e e esperança nos trouxe de volta o riso. Convidei-a com braços a deitar conosco. No chão da vida. Abraçamo-nos sem nada dizer. E ali mesmo descansamo­s da realidade.

Um dia, a vida será bela.

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REPRODUÇÃO DA INTERNET

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