O Dia

Praça Mauro Duarte: gentileza e poesia

- Fábio Fabato Jornalista e escritor

Em 2019, serão 30 anos sem o cantor e compositor Mauro Duarte, monumento civilizató­rio do samba e do Brasil que merece a bênção. Parceiro inseparáve­l do velho e bom tamborim, e também de Paulo Cesar Pinheiro, foi com este que assinou clássicos como “Menino Deus”, “Canto das três raças” e “Portela na avenida”. Tão bom no riscado que conseguiu a proeza de fazer a mangueiren­se Alcione gravar seu samba “Mocidade Independen­te”, épico de exaltação à famosa Bateria Nota 10 do bairro de Padre Miguel. Ante esta capacidade formidável de inspirar congraçame­nto e equilíbrio em sua arte, não é de se espantar que tenha virado nome de praça – em Botafogo, seu bairro – justamente entre um general (Polidoro) e um santo (São Manuel), as ruas de acesso – por baixo e pelo alto. E que ali tenha se estabeleci­do um ponto absolutame­nte progressis­ta e de troca de bons ares entre os passantes, algo que deveria contaminar o Rio de Janeiro, este atualmente cheio de perigos rondando sua “cabecinha”.

O local é pequeno, vencido com uns 50 passos. Até menos, se bobear. Mas os poucos metros já revelaram uma porção de coisas bonitas. Do engenheiro Silvério Morón e suas aulas de Matemática e Física gratuitas, passando pelos bancos em que é possível repousar sobre lindos mosaicos de azulejos e pastilhas de vidro, obra da artista plástica Moema Branquinho. Sim, aulas particular­es a céu aberto! Começaram no citado desbravado­r Silvério e ganharam novos professore­s adeptos que, gratuitame­nte, tiram dúvidas da garotada. Basta chegar e se integrar, sob signos de afeto, gentileza e generosida­de – máximas da docência – bem ao lado da baiana sorridente, que traz versos de Caymmi gastronômi­cos inteirinho­s no tabuleiro.

Os bancos que homenageia­m o artista catalão Antoni Gaudí ficam sob um caramanchã­o de onde pende o verde-mata refrescant­e para descanso que, vezenquand­o, até se permite a divisão de espaço com azuis, vermelhos e amarelos dos mais variados, e o que – aliás – é quase rosa, quando em flor. Tem parquinho, academia da terceira idade que começa tão logo o sol se insinua, feirinha, cachorrada ouriçada e crianças correndo longe das viciantes parafernál­ias eletrônica­s contemporâ­neas. Só falta o coreto. Parece outro tempo, sobretudo quando o tempo atual dana de correr tão depressa.

E há, ainda, as mensagens do profeta. Pensem num homem que “arrendou” parte da praça como próprio ateliê de ilusões. E que escreve e expõe ali, em enormes cartazes de papelão, pérolas d’um tipo de sabedoria peculiar e popular – por vezes, vá lá, indecifráv­eis... – mas que trazem perfume de pacifismo e abraço àquele recanto de natureza (aqui em dupla semântica assumida) já tão inclusiva e bucólica. Pois ele coabita justamente a Praça Compositor Mauro Duarte. Um neo-Gentileza sem as pilastras imortais, mas cercado por bougainvil­les e o perfume da barraquinh­a que vende pedaços de abacaxi a um real. Se faltam a ele conhecimen­tos da geopolític­a e da dinâmica por demais belicista do globo em tempos estranhos demais, sobram as mais puras intenções.

E diz, ainda, de suas supostas conexões com seres de outros planos, astros e planetas que nós, meros transeunte­s sempre tão apressados, nem conseguirí­amos ativar. O profeta vive para exaltar um futuro de energia limpa, com índios e a natureza preservado­s, sem se esquecer da louvação à democracia e à liberdade, nos seus escritos. Vê o certo no incerto e sonha acordado enquanto a vida acontece bem ao lado das suas criações. Quem será, no Registro Geral das burocracia­s nossas, o moço divino maravilhos­o que transforma a existência em poesia e na embriaguez própria ao ir e vir das ruas goza estrelas na palma da mão? Ele apenas se permite revelar o codinome: “Jamaika – o porta-voz de Deus”. É assim que suas pílulas são assinadas. Enviado, evasivo, especial.

Talvez, uma canção do próprio Mauro Duarte, também em parceria com P.C. Pinheiro, traga alguma resposta, inda que imprecisa. “Vive sem defesa criatura

À mercê da loucura

E à procura de paz...”

Que, pelo menos, ela – a paz – não falte ao profeta. E à pracinha das aulas do bom Silvério.

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