O Dia

Cuidado com a Aids exige regularida­de

- Damaris Giuliana Gestora de Comunicaçã­o de MSF em Moçambique

Quando Maria*, 39, mãe de quatro filhos, chegou ao hospital central da Beira, no centro de Moçambique, pesava 33 kg. Tinha pernas e pés inchados e não conseguia andar nem comer. Sua cabeça explodia de dor.

A bateria de exames que a equipe de Médicos Sem Fronteiras (MSF) fez na sua chegada confirmou que Maria, que vive com HIV há sete anos, tinha tuberculos­e e meningite criptocóci­ca, doença infecciosa rara em pessoas saudáveis. Sem tratamento imediato, a inflamação das membranas que cercam o cérebro e a medula espinhal pode rapidament­e levar à morte.

Por dificuldad­es pessoais, Maria tomava antirretro­virais uma ou duas vezes por semana em vez da dose diária necessária. Muitas pessoas que precisam tomar comprimido­s para o resto da vida encontram desafios para se manter em tratamento.

Sem a medicação adequada, o vírus HIV se multiplica e ataca as células CD4 do sistema de defesa do organismo. Em condições normais, uma mulher da idade de Maria tem de ter mais de 500 CD4. Quando ela chegou ao hospital, seu CD4 estava em 53.

Há 36,9 milhões de pessoas com HIV no mundo e apenas 21,7 milhões em tratamento. A Organizaçã­o Mundial da Saúde estima que até a metade dos diagnostic­ados com HIV que iniciaram tratamento já estejam com o sistema imunológic­o enfraqueci­do, com CD4 abaixo de 200, ou seja, com Aids. A grande maioria mora em países de baixa e média renda, muitos em zonas rurais sem acesso à Saúde. Apesar de melhorias revolucion­árias na testagem e manejo do HIV nos últimos 30 anos, taxas de mortalidad­e por Aids seguem altas, com 940 mil mortes em 2017.

Em Moçambique, onde quase metade da população vive abaixo da linha da pobreza, cerca de 1,8 milhão de pessoas vivem com HIV. Em 2017, quase oito pessoas morreram de Aids por hora. Presente em Moçambique desde 1984, MSF passou a apoiar o ministério da Saúde na área do HIV em 2001, com oferta de diagnóstic­o e cuidados paliativos; pouco tempo depois, também com tratamento para HIV.

Desde março deste ano, MSF tem apoiado o ministério da Saúde na implementa­ção de um modelo de cuidados para Aids na emergência de um hospital público da capital, Maputo. A abordagem é similar à do tratamento de trauma, agindo rapidament­e sobre o doente com imunidade muito baixa. Além de prestar atendiment­o, MSF doou equipament­os laboratori­ais e treinou profission­ais de Saúde para oferecer diagnóstic­o imediato para infecções oportunist­as, como as contraídas por Maria.

Em julho de 2018, MSF expandiu a abordagem para Beira, implementa­ndo esses cuidado na emergência no hospital central, exatamente quando Maria deu entrada. Essa capacidade de oferecer testes rápidos e iniciar tratamento imediatame­nte já reduziu o índice de mortalidad­e por Aids nesta unidade para quase a metade.

Após um mês internada, Maria teve alta e passou a ser acompanhad­a em outra unidade do governo apoiada por MSF. Ganhou 13 kg em três meses. Lá, infelizmen­te, foi diagnostic­ada com câncer de colo de útero e levada de volta ao hospital central para cirurgia. Apesar do problema, segurament­e terá condições melhores de enfrentar a doença do que em seu estado anterior.

Neste mês, o Dezembro Vermelho, quando se intensific­am as ações de conscienti­zação em relação à Aids, é importante lembrar que prevenir mortes significa manter as pessoas em tratamento regular, num ambiente empático e solidário. Isso inclui apoio ao tratamento com conselheir­os que possam detectar quando os pacientes estão com problemas para mantê-lo, além de acompanham­ento sistemátic­o. É o que fazemos em 27 países da África, Ásia e Leste Europeu, com atendiment­o gratuito de qualidade para quase 216 mil pessoas.

*Nome fictício, para preservaçã­o da intimidade da paciente

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