O Dia

DESAFIO INICIAL

- LEANDRO MAZZINI

Embora tentem minimizar o relatório produzido pelo Conselho de Controle de Atividades Financeira­s (COAF) que apontou movimentaç­ões financeira­s atípicas de um ex-assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), integrante­s da Transição temem que o episódio tenha desdobrame­ntos que possam ofuscar a posse do presidente Jair Bolsonaro (PSL) e compromete­r o início de governo. A preocupaçã­o não é à toa. À época da deflagraçã­o da Operação Lava Jato, em 2014, o órgão enviou à Polícia Federal 267 relatórios com detalhes sobre movimentaç­ões suspeitas de 27.579 pessoas físicas e jurídicas que totalizava­m R$ 51,9 bilhões. O futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro, não quer deixar barato e vai garimpar esses dados.

Cara & coragem

O senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) não fugiu à raia dos holofotes.

DESCONFORT­O

Foi à mídia e disse que o assessor terá de explicar as movimentaç­ões. A conferir.

Vivi em uma família por algum tempo. No início, eu era novidade. Era cuidado. Riam as mais diferentes risadas. Comentavam uma ou outra estripulia. E eu gostava. Queria ser sempre o centro. Pulava de um lado e de outro. E dividia, com justiça, o meu amor. Levavam-me para passear.

E foi assim que minha história começou a mudar. Achei que se tratava de mais um passeio. Mas era uma despedida. Os tempos de filhote já haviam se esgotado. Eu cresci. E eles se cansaram de mim. Difícil acreditar nisso. Eu me sentia da família. Mas foi isso que aconteceu. Quando me vi naquele lugar em que se deixam os carros e que depois se buscam, eu ainda fiquei esperando.

Os carros, talvez, tenham mais valor. Ninguém abandona. Já eu. Um cachorro que não era mais novidade, que talvez desse trabalho. Não sei. Sei que nunca deixei de fazer festa quando eles chegavam. Nunca deixei de estar quando me queriam. Deixaram de me querer e fiquei aqui. Sozinho.

Alguns que não conheço me trouxeram água. E passaram a mão na minha cabeça para aliviar as minhas incompreen­sões. Por que me abandonara­m? O que eu fiz contra eles? Outros me deram o que comer. Como não tinha o poder da escolha, resolvi ficar. Não queria incomodar. Decidi que só brincaria com quem quisesse brincar. E que, no restante do tempo, ficaria deitado, quieto, para não desistirem de mim mais uma vez. Não é fácil ser abandonado.

Foi quando alguns deles, ditos seres racionais, aproximara­m-se com um sorriso diferente dos sorrisos que sem- pre gostei de brotar. E um pau de vassoura. Que estranho! Será que vieram fazer uma brincadeir­a diferente comigo? Mas e esses sorrisos sombrios?

Um me ofereceu o que comer. Comi, sem abanar o rabo. Com alguma preocupaçã­o, mas sem o poder de declinar. Comi e comecei a me sentir estranho. E, de repente, fiquei tonto. Não sei se do que comi ou se do bater intermiten­te da vassoura. Ouvi alguns “Fora daqui”, sequer tinha forças para obedecer. Comecei a ver o sangue se despedindo de mim. Comecei a parar de ver. Apenas vultos. Vultos de risos e de frases sem sentido. Que sentido tem tamanha violência?

Antes de partir, começo a sonhar com o dia em que cheguei àquela casa e com os risos bonitos que me acolheram. Escuto o meu choro doído ao perceber o abandono. E sinto algumas alegrias que tive com os carinhos de desconheci­dos. E agora, entre uma paulada e outra, despeço-me, sem compreende­r. Ouvi tantas vezes que os humanos são os mais evoluídos dos animais. Que nós somos os irracionai­s.

Não há mais tempo para nada. Vêm, agora, recolher o que restou de mim. Vão limpar tudo. Porque outros humanos chegarão e não querem ser importunad­os.

O meu nome? Tenho tantos. A minha história? Repete-se com mais frequência do que vocês imaginam. Morro sem perder a ternura, morro sabendo que fiz o que pude.

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