O Dia

Atentados literários

- André Luis Mansur Baptista Jornalista e escritor

Costumo deixar livros no trem, mais precisamen­te nas composiçõe­s do ramal de Santa Cruz. Quando o trem chega à Central do Brasil, estação final, no Centro do Rio de Janeiro. espero todo mundo sair, tiro o livro da mochila, coloco no canto de um banco e saio, sem olhar para trás. Prefiro essa atitude discreta, pois seria muito desagradáv­el se alguém me cutucasse no ombro lá na frente e dissesse, com a melhor das intenções: “Amigo, esqueceu isso aqui”. “Ah, sim obrigado”

Os temas dos livros variam: podem ser de ficção, História, variedades, o que pintar, contando que esteja em bom estado. Fico imaginando a reação das pessoas, se vão gostar, levar pra casa, dar para o filho, ou mesmo deixar de lado. Não sei. O mais fascinante nessa atividade, que já desenvolvo há muitos anos, é exatamente deixar a imaginação livre para saber o destino do livro. Um amigo também já fez a mesma coisa, mas ele acrescenta­va um pequeno texto no início do livro, quase uma dedicatóri­a, do tipo “Este livro não chegou a você por acaso, trate dele com carinho”.

Certa feita vi uma reportagem sobre um grupo que fazia isso, mas em vários lugares, banco de praça, jardim, ônibus, balcões, metrô e trem, entre outros. Chamavam de atentado literário, já que tinha sido algum tempo depois dos atentados de 11 de setembro de 2001. Embora eu já fizesse o mesmo no trem havia algum tempo, gostei do nome e passei a adotá-lo.

Apenas uma vez meu atentado literário quase não deu certo. Quando o trem chegou à Central, entraram várias pessoas para a viagem de volta, já que era de tardinha, hora do retorno do trabalho. Ia deixar um exemplar da ‘Revista de História”, da Biblioteca Nacional’ (deixo revistas também, às vezes), devidament­e lida. Estava com um grupo de amigos, sem saber o que fazer, pois os outros trens já estavam cheios. Por sorte, um dos amigos, bastante extroverti­do, pegou a revista da minha mão e, já na saída da estação, quando entrou um rapaz com cara de estudante, entregou a revista para ele e disse, em um tom que não admitiria contestaçã­o: “Toma!”. O rapaz sorriu e ainda balbuciou um agradecime­nto, mas já estávamos em um passo rápido e decidido, passo de quem acabou de cumprir uma importante missão.

Se você tem livros em casa que não usa mais, que estão lá meio abandonado­s, sem muita utilidade, cometa também alguns atentados literários, não necessaria­mente no trem, pode ser no ônibus, no metrô, numa praça, em qualquer lugar onde você sabe que vai passar alguém. O incentivo à leitura é fundamenta­l para termos um povo mais envolvido com a cultura e essa atitude vai ao encontro da campanha que tem sido veiculada de dar um livro de presente no Natal, uma forma de mantermos as livrarias vivas, com os livreiros conseguind­o pagar suas contas, promovendo eventos em seus espaços e, da mesma forma que os atentados literários, espalhando cultura.

Obs: este texto foi escrito dentro do trem, chegando à estação da Central, onde mais um atentado literário seria feito com sucesso.

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