O Dia

Freire Alemão, o botânico do Mendanha

- André Luis Mansur Batista Jornalista e escritor

Um dos maiores nomes da botânica no Brasil nasceu e morreu na Serra do Mendanha, em Campo Grande, mas infelizmen­te seu nome é pouco conhecido no próprio bairro. Freire Alemão tem, em sua homenagem, apenas uma escola e uma agência da Caixa Econômica. O grande botânico tinha também, para lembrá-lo, uma placa e uma efígie, mas as duas peças de bronze foram roubadas em outubro de 2017 e até hoje não foram repostas pela Seconserma, a Secretaria de Conservaçã­o e Meio Ambiente da prefeitura, apesar dos insistente­s pedidos dos moradores.

Freire Alemão nasceu no final do século XVIII, em 1797, quando o Brasil ainda era colônia de Portugal e o futuro bairro de Campo Grande estava repleto de fazendas, com muita produção de açúcar e uma grande quantidade de escravos trabalhand­o. Ele nasceu em uma dessas fazendas, a do Mendanha, pobre e recebendo a proteção do padre Antônio Couto da Fonseca, dono da fazenda e que sonhava que o menino também se tornasse padre. Mas Freire Alemão tinha outro destino, a ciência, e para isso, contando com a ajuda de outras pessoas, estudou Química e Medicina, tornando-se doutor em Medicina em Paris.

Ao longo do período do Império brasileiro, o menino pobre do Mendanha vai ganhando fama e prestígio, tornando-se membro de instituiçõ­es importante­s, como a Sociedade de Medicina do Rio de Janeiro e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, e é responsáve­l por aquela que talvez seja a primeira previsão do tempo feita de forma sistemátic­a no Brasil, entre 1936 e 38.

Mas foi a partir da década de 1840 que Freire Alemão iria se tornar um dos maiores botânicos brasileiro­s, quando se torna médico de D. Pedro II e passa a ter acesso à biblioteca do imperador, fundamenta­l para seus estudos.

Alguns anos mais tarde, seria convidado por D. Pedro II a participar da Comissão Científica às regiões Norte e Nordeste, que iria coletar milhares de espécies vegetais. Nessa viagem, e também em suas andanças pelas serras e florestas do Rio de Janeiro, incluindo aí a Serra do Mendanha, Freire Alemão iria descobrir várias espécies novas. Como mais um sinal de prestígio junto ao imperador, o botânico participou da comitiva que trouxe a imperatriz Teresa Cristina da Itália, em 1943, e receberia algumas das principais comendas do Império, como a Ordem de Cristo e a Comenda da Imperial Ordem da Rosa.

As aulas de Freire Alemão, em instituiçõ­es importante­s no centro do Rio e arredores, eram muito concorrida­s e, em 1866, mesmo com quase 70 anos, uma idade que naquela época era considerad­a avançadíss­ima, o cientista ainda teve energia para ser diretor do Museu Nacional (que ainda não era na Quinta da Boa Vista, e sim ao lado do Campo de Santana) e organizar todo o seu rico acervo. Aliás, muito do que ele organizou infelizmen­te se perdeu no recente incêndio do museu.

Mas o que seus biógrafos contam é que, apesar de todo o prestígio que Freire Alemão tinha na Corte do Império brasileiro, o que ele gostava mesmo era de voltar à sua querida Serra do Mendanha, indo de trem até a estação de Sapopemba (atual Deodoro), e depois seguindo de diligência até Campo Grande, já que o atual Ramal de Santa Cruz só passaria a existir a partir de 1878. Assim, ele e os outros passageiro­s iam sacolejand­o pela Estrada Real de Santa Cruz até Campo Grande e, segundo consta, muitas vezes o cientista viajava completame­nte absorvido pela leitura de um livro. A casa de Freire Alemão, ou o que sobrou dela, foi demolida nos anos 1990.

E aí fica a pergunta: será que um nome tão importante para a Botânica, não só de Campo Grande, mas do Brasil, não tem direito sequer à reposição de uma efígie e uma placa roubadas, já que nem a sua casa existe mais? Ou será que ele precisaria de uma estátua com óculos na praia de Copacabana para receber um pouco mais de atenção do Poder Público?

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