O Dia

Desde 2018, Auditoria Militar já denunciou 17 PMs por tortura no estado.

Desde que a Justiça Militar passou a julgar casos, 17 policiais já foram denunciado­s

- BRUNA FANTTI bruna.fantti@odia.com.br

Usuário de drogas, A.F.G., 22 anos, tinha uma trouxinha de maconha em seu bolso ao ser revistado por quatro policiais, em Rio das Ostras, em junho de 2018. Detido de forma ilegal, ele foi algemado, jogado na caçamba da viatura e levado a um matagal. Lá, levou chutes no rosto, nas costas, choques elétricos, tapas no pescoço. Os agentes davam uma justificav­a torpe para a violência: queriam saber nomes de traficante­s.

Os quatro PMs, dois sargentos e dois cabos, foram denunciado­s no dia 9 de julho deste ano na Justiça Militar. Ao todo, 17 policiais militares já foram denunciado­s desde 2018, quando os casos de tortura migraram da Justiça comum para a militar, com a controvers­a Lei 13.491. Esta ampliou as possibilid­ades de militares suspeitos

de crimes cometidos no exercício da função deixarem os tribunais comuns e serem julgados na esfera militar, em caso de crimes contra civis.

“Na época, alguns setores da sociedade tiveram receio de que os casos não fossem denunciado­s, temiam corporativ­ismo das corregedor­ias e da Justiça militar”, lembra o promotor Paulo Roberto Mello, da Auditoria Militar, do Ministério Público Estadual, autor da maioria das denúncias. A Anistia Internacio­nal e alguns partidos políticos se manifestar­am contrários à lei, por exemplo.

De acordo com levantamen­to feito pelo DIA no Tribunal de Justiça, no ano de 2017, antes, portanto, de a lei entrar em vigor, somente três policiais foram denunciado­s à Justiça por tortura, naquele ano.

Todos os relatos que chegaram ao MP foram repassados pela Corregedor­ia da PM. Mas, os números que chegam à Justiça ainda estão longe da realidade. Levantamen­to da Defensoria Pública mostrou que, entre agosto de 2018 e maio desse ano, 687 presos afirmaram terem sido torturados por policiais no momento da prisão.

Um dos casos de impunidade foi reaberto pelo Grupo de Atuação Especializ­ada em Segurança Pública (Gaesp), em julho: a investigaç­ão das chacinas, ocorridas em 1994 e 1995, na Favela Nova Brasília, que resultaram na primeira condenação que o Brasil recebeu na Corte Interameri­cana de Direitos Humanos.

Na chacina de 1994, cerca de 40 policiais militares e civis invadiram cinco casas e fizeram disparos. Em uma residência, dez policiais violentara­m três jovens, duas de 15 e uma de 16 anos de idade. Elas relataram que, além das agressões, uma delas foi forçada a fazer sexo anal. A outra foi levada por um policial pelo cabelo e obrigada a fazer sexo oral.

Agora, peritos internacio­nais irão ajudar os promotores a ouvir as vítimas, que carregam sequelas psicológic­as.

“A violência sexual é utilizada como forma de humi

lhar a vítima para inibir que ela vá fazer uma denúncia”, pontuou a promotora Karina Puppin. Atualmente, ela investiga três casos em que estupros foram cometidos por policiais militares como meio de tortura. Um deles ocorreu mês passado, em uma estação da SuperVia, em que dois jovens, usuários de drogas, foram obrigados a realizar sexo oral um no outro.

Outro caso ocorreu em dezembro do ano passado, em Belford Roxo. Quatro barbeiros passaram por uma sessão de espancamen­to; um deles teve o pênis queimado com uma chapinha de alisar cabelo. Em outro, foi introduzid­o o cabo de uma vassoura. O mais recente ocorreu na Região dos Lagos: cinco jovens, entre eles, duas adolescent­es, foram obrigados a deitar no chão. As meninas, com saias, tiveram o cano do fuzil introduzid­o em suas nádegas. A tortura física e psicológic­a tinha como objetivo encontrar drogas.

Na última semana, o MP passou a apurar o caso de um rapaz que sofre de esquizofre­nia e alega ter sido chicoteado, no Complexo do Chapadão. “Eles pegaram todos os meus dados. Estou com muito medo de algo acontecer, por isso saí de lá e estou morando longe da comunidade”, afirmou o irmão da vítima. Oito agentes já foram ouvidos na Auditoria Militar.

Segundo a cientista social Silvia Ramos, coordenado­ra do CESeC da Universida­de Cândido Mendes, os dados mostram “a face mais chocante do sistema de justiça”. E completa: “Agentes da lei, usando uniformes e armas da corporação, cometem tortura aberta. As vítimas são quase sempre pobres, negros e moradores das favelas, usuários de drogas ou os suspeitos de sempre”.

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