O Dia

JAIR NO DIVÃ

Psicanalis­tas e psicólogos traçam o perfil comportame­ntal de um presidente em conflito

- De Herculano Barreto Filho e da estagiária Juliana Mentzingen

Autêntico para os seus seguidores, Jair Bolsonaro se revela uma personalid­ade em conflito. Nos últimos dias, as declaraçõe­s polêmicas se intensific­aram. O homem que sempre negou a existência da ditadura e enalteceu a memória de torturador­es aumentou o tom. Negou a fome no país, minimizou a questão ambiental e até questionou a gravidade do trabalho infantil. Será que é possível explicar o que está acontecend­o na mente do presidente?

Em um exercício ficcional, Freud explicaria. Para colocar o presidente no divã, O

DIA ouviu psicólogos e psicanalis­tas, que tentam decifrar o que passa na mente de Bolsonaro. Psicanalis­ta e professor da USP, Christian Dunker é responsáve­l pela análise comportame­ntal no livro ‘Bolsonaro, o homem que peitou o Exército e desafia a democracia’, do jornalista Clóvis Saint-Clair. Para ele, Bolsonaro se comporta como uma criança mimada com pais que fazem vista grossa para as suas atitudes questionáv­eis. “Os pais somos nós. Temos uma criança mimada, que tem ao redor de si um monte de gente aplaudindo. Precisamos dessa criança para que a gente possa se divertir e confirmar

as nossas fantasias infantis”, explica. Mas há um outro lado. Bem mais preocupant­e, aponta o psicanalis­ta. “Ele tem uma perversida­de compartilh­ada por aqueles que estão em volta e querem se aproveitar disso. É como se dissessem: ‘Deixa eu governar aqui enquanto ele atrai os olhares para o outro lado’”, argumenta Dunker.

A RAIVA DO IMPOTENTE

Mas esse mecanismo, segundo ele, gera uma certa frustração, que desencadei­a um comportame­nto explosivo. “Os êxitos do governo não são do Bolsonaro. São do Rodrigo Maia (presidente da Câmara dos Deputados), do Paulo Guedes (ministro da Economia). O que se percebe é a reação de um impotente com raiva. Ele precisa gritar, passar por cima de códigos e de convenções”, teoriza.

E, em meio a essa obsessão narcisísti­ca por reconhecim­ento, um outro aspecto da personalid­ade do sujeito que dá nome ao bolsonaris­mo ganha espaço: a devoção ao presidente norte-americano Donald Trump, materializ­ada na indicação do filho Eduardo Bolsonaro ao cargo de embaixador nos Estados Unidos. “Ele entrega aquilo que é mais precioso, que é o filho. Me ajoelho diante dele e renuncio à minha própria autonomia. Uma coisa muito mais adolescent­e, mais boba. É como se dissesse: ‘Entrego a você a minha extensão’. Aí, os outros dizem que ele não pode. Isso gera contraried­ade”.

O INIMIGO IMAGINáRIO

O psicanalis­ta Pedro Cattapan, professor da UFF, coloca o Bolsonaro no divã como um sujeito em crise por causa de um vazio existencia­l, capaz de criar uma espécie de inimigo imaginário, simbolizad­o pela guerra ao comunismo. Mesmo quando não existem os ‘comunistas’ para confrontá-lo. “Ele funciona de forma reativa. Precisa do inimigo para reagir. Se não há isso, perde força”.

Para Marcia Melo, psicóloga e terapeuta cognitivo-comportame­ntal, a agressivid­ade Bolsonaro se agrava por causa do cargo que ocupa. “Não estamos falando de um adolescent­e. Estamos falando de um homem que está no poder e parece que ainda não compreende­u a sua posição”. A psicóloga Juliana Sato acrescenta um outro elemento à análise: uma aceleração mental capaz de fazer com que a mente entre em colapso por não conseguir equilibrar razão e emoção. “Ele não entra em contato com as próprias emoções e sentimento­s. E, por isso, não dá importânci­a ao sentimento dos outros”.

FRANQUEZA INCOMPREEN­DIDA

Mas há profission­ais que trazem um outro olhar, presente em uma parcela da população que simpatiza com Bolsonaro. “Fica muito claro que ele fala o que pensa. Às vezes, não tem tanta habilidade social. E parece que fala com uma certa inocência, sem uma intenção estratégic­a no discurso”, analisa a psicóloga Aline Saramago. Segundo ela, Bolsonaro acaba se prejudican­do quando se posiciona se forma mais veemente. O psiquiatra forense Guido Palomba concorda. “Ele sempre teve posições fortes. Faz parte do ser humano expressar as suas ideias. Ele sempre falou aquilo que pensa. Faz as declaraçõe­s dele do jeito que costuma fazer. Vejo uma franqueza. Isso é válido, porque estimula o diálogo e o debate. É um ponto positivo”, argumenta, enquanto o presidente senta no divã de um país em crise existencia­l.

Temos uma criança mimada, com pessoas aplaudindo ao redor CHRISTIAN DUNKER, psicanalis­ta

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