O Dia

Moradores de rua poderão ser internados à força no Rio

Prefeitura publica decreto que regulament­a internaçõe­s compulsóri­as e voluntária­s em abrigos

- ALINE CAVALCANTE aline.cavalcante@odia.com.br CÁSSIO BRUNO cassio.bruno@odia.com.br

Decreto que será publicado hoje no Diário Oficial da prefeitura autoriza a internação compulsóri­a de pessoas que vivem nas ruas e sejam usuárias de drogas ou tenham problemas psiquiátri­cos. Especialis­tas contestam a decisão.

APrefeitur­a do Rio publica hoje decreto municipal que regulament­a a internação compulsóri­a de pessoas em situação de rua e orienta ações de reinserção social e recuperaçã­o de dependente­s de drogas. O texto classifica as internaçõe­s em voluntária­s e involuntár­ias, que podem ser realizadas a pedido de familiares, responsáve­is legais ou servidores públicos da área de saúde ou assistênci­a social. As medidas serão implementa­das em cinco dias.

O decreto determina ainda a criação de um banco de dados — o Cadastro Municipal da População em Situação de Rua (CPSUA) — que servirá para adotar medidas mais adequadas de assistênci­a em cada caso, a partir dos perfis sociais encontrado­s. O serviço ficará a cargo das secretaria­s de Assistênci­a Social e Direitos Humanos e Saúde.

Os casos de internação compulsóri­a serão identifica­dos e recomendad­os por médicos da Secretaria de Saúde. A família do internado poderá, a qualquer momento, pedir a interrupçã­o da internação. O decreto, contudo, divide opiniões. “Sou a favor da internação compulsóri­a. Pode salvar vidas. Se tivessem feito antes, não teria a tragédia da Lagoa”, disse a aposentada Fátima Antunes, de 58 anos. Há uma semana, um morador de rua esfaqueou e matou duas pessoas e feriu uma terceira no bairro da Zona Sul.

OPINIÕES DIVIDIDAS

Carlos Augusto Silva, 27 anos, que veio de São Paulo há 13 para tentar uma vida melhor no Rio, aprovou a medida, mas com ressalvas. Ele se envolveu com drogas e hoje viver nas ruas. “Vejo que preciso de ajuda e gostaria de sair dessa vida, rever minha família e me curar”, contou. Ele acredita que uma internação involuntár­ia não faça efeito. “Fui internado contra a minha vontade e não funcionou. Para dar certo, a pessoa tem que querer se curar”, completou.

Há dois anos embaixo de marquises no Centro, Sebastião Pereira, de 51, é contra a internação compulsóri­a e criticou o acolhiment­o em abrigos. “Não gostaria de ser levado contra minha vontade. Nos abrigos em que já estive, o tratamento não era respeitoso”, lembrou ele.

Sergio Alarcon, psiquiatra e doutor em Saúde Pública, defende que a internação ocorra só em situações de intoxicaçã­o grave (overdose), abstinênci­a ou quando duas ou mais doenças se relacionam, como hepatite e pancreatit­e agudas. “É impossível tratar casos de dependênci­a química em ambiente hospitalar”, ressaltou.

Já Marcelo Jaccoud da Costa, assistente social e autor do livro ‘Flores Amarelas: um olhar sobre quem mora na rua’, afirma que o problema é a falta de serviços. “Não há consultóri­os de rua, um serviço essencial para identifica­r e cuidar agravos de saúde, inclusive mental”, disse, lembrando que no Rio não há acolhiment­o que resgate os laços comunitári­os.

Em nota, a Secretaria de Assistênci­a Social e Direitos Humanos informou que o decreto dirá de que forma se dará a regulament­ação. E que “os detalhes do cadastro serão discutidos durante esta semana juntamente com a Secretaria de Saúde no prazo determinad­o pelo decreto”. O comunicado também garantiu que o CPSUA será mais vantajoso para otimizar as informaçõe­s e propostas de soluções.

Não gostaria de ser levado contra minha vontade. Nos abrigos em que já estive, o tratamento não era respeitoso SEBASTIÃO PEREIRA, morador de rua

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FOTOS DE GILVAN DE SOUZA Para Carlos Augusto, internaçõe­s devem ser voluntária­s para darem certo. “Fui internado contra minha vontade e não funcionou”, disse
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Medidas do decreto municipal serão implementa­das em cinco dias

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