O Dia

VIOLÊNCIA QUE DESTRÓI SONHOS TODOS OS DIAS

Jogador da base do América, Dyogo morre aos 16 anos, vítima de bala perdida, em Niterói. Há três dias, foi Gabriel, de 18, na Tijuca

- Reportagem de Gustavo Ribeiro, Rai Aquino e Renan Schuindt

Quero dar um abraço nesse avô

FABRÍCIO ALVES, pai de Gabriel

No Instagram, Dyogo Coutinho, de 16 anos, se apresentav­a como ‘menino sonhador’. Queria ser jogador profission­al de futebol. Ontem, ao sair de casa para treinar, morreu atingido por uma bala perdida. Tiro foi disparado em confronto entre PMs e traficante­s da comunidade da Grota, em Niterói. O avô, motorista de ônibus, passou pelo local minutos depois e carregou o neto no colo até o hospital. Tragédia repete a do jovem Gabriel, morto na sexta-feira, na Tijuca.

Jogador das divisões de base do América, Dyogo Xavier Coutinho, de 16 anos, conhecido como Dondom, foi morto ontem por um tiro de fuzil disparado durante operação da PM na comunidade da Grota, no bairro São Francisco, em Niterói. A morte violenta do adolescent­e ocorreu três dias após o jovem Gabriel Pereira Alves, 18 anos, ser morto, também por uma bala perdida, enquanto esperava o ônibus num ponto da Rua Conde de Bonfim, na Tijuca, Zona Norte do Rio. O drama das duas famílias causou comoção e revolta. Ontem, depois de saber da morte de Dyogo, Fabrício Moreira Alves, pai de Gabriel, fez um desabafo: “Quero dar uma abraço nesse avô”, disse ele ao DIA, emocionado, após ver pela TV que Dyogo foi socorrido pelo avô, motorista de ônibus que passava pelo local.

“Eu parei o ônibus, coloquei no freio de mão, abri a porta, fui lá ver e era meu neto. Você imagina uma situação dessa? E os PMs lá. Ainda falaram que meu neto era traficante. Eu peguei ele no hospital quando ele nasceu. Peguei ele no colo. Olha o sangue dele. Acho que as autoridade­s têm que olhar um pouco melhor para as comunidade­s. Isso é uma vergonha. É uma coisa que me quebrou. Tô partido, morto por dentro”, desabafou à TV Globo Cristóvão Brito, avô de Dyogo, ainda com a camisa do uniforme de trabalho encharcada de sangue do neto — foi ele quem o socorreu e o levou para a Policlínic­a Regional do Largo da Batalha, onde o adolescent­e já chegou sem vida.

Seu Cristóvão ainda não sabe, mas o desejo do pai de Gabriel é dar um pouco de conforto a ele e a vítimas da violência diária no Rio: “Cadê o amor das pessoas? Não posso acreditar que mais um menino

morreu desta maneira”, disse Fabrício, revelando que estava em casa quando foi chamado pelo filho mais novo para assistir, na TV, a mais uma tragédia. “Ele me chamou e disse: ‘Mataram mais um garoto. É jogador, igual o meu irmão’ ”.

Dyogo se intitulava “Menino sonhador” em seu Instagram. Apaixonado por futebol, participou recentemen­te da Taça das Favelas.

“Vou te falar. Quando eu vi a notícia, minha dor até diminuiu. Parece que me deram uma anestesia. Fiquei tentando imaginar o tamanho da dor daquele avô, que também é pai. Fico me perguntand­o se a gente não vai sair desse pesadelo”, desabafou Fabrício, que contou, ainda, que existe um elo entre as duas famílias. “Por acaso, uma amiga da minha esposa também é amiga dessa família. Quero encontrá-los e dizer que não estão sozinhos nessa”.

No início da tarde de ontem, moradores da Grota fizeram um protesto. Eles atearam fogo em um ônibus e fizeram barricadas no meio da pista de uma das principais ruas de São Francisco. Durante a manifestaç­ão, um outro adolescent­e ficou ferido.

Peguei ele no hospital quando ele nasceu. Peguei no colo. Olha o sangue dele. Isso é uma vergonha. Tô morto por dentro

CRISTÓVÃO BRITO, avô de Dyogo

Quando vi a notícia, minha dor até diminuiu. Parece que me deram uma anestesia. Tento imaginar o tamanho da dor daquele avô

FABRÍCIO MOREIRA ALVES, pai de Gabriel

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ARQUIVO PESSOAL
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REPRODUçãO DA TV GLOBO
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ARQUIVO PESSOAL Dyogo Xavier em campo: jovem tinha uma vida inteira pela frente
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REPRODUçãO FACEBOOK Gabriel, morto por bala perdida na Tijuca, jogava futsal no Olaria

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