O Dia

A educação infantil e a sociedade do cansaço

- Alfredo Laufer Empresário, escritor e ex-presidente da RioTur

Pratos e canecas sujas em cima da pia... nem pensar!

Os temas educação infantil e trabalho sempre estiveram inter-relacionad­os nas agendas de todas as civilizaçõ­es. Os gregos, há mais de 3000 anos, já discutiam os atributos necessário­s para uma melhor educação de seus futuros guardiões. Definiram como seus elementos estruturan­tes básicos: a ginástica, a arte e a geometria.

A ginástica seria o elemento formador da disciplina e perseveran­ça. A arte poderia contornar os músculos do corpo e dar à mente maior criativida­de e beleza; a geometria poderia traçar novos esquemas militares e soluções inovadoras em confrontos com exércitos inimigos.

Na China antiga, o famoso pensador Lao Tsé (604-517 AC), antes de aplicar novas lições de taoísmo, obrigava seus discípulos depois das refeições a lavarem seus próprios pratos e canecas. Todos possuíam a consciênci­a de que uma educação eficiente provinha de um processo interativo entre aprendizag­em

teórica e ações práticas com o objetivo de se adquirir consistênc­ias éticas, morais e inovadoras. Ações diárias eram acompanhad­as e corrigidas por pais e mestres no ato de suas realizaçõe­s.

O melhor desempenho se dava pelo aperfeiçoa­mento e repetição de tarefas simples, mas cuidadosam­ente observadas em todos os detalhes. Naquela época, tomar um chá e deixar a caneca em cima da pia, sem lavar... nem pensar!

Mas os padrões tecnológic­os mudaram também o “estado da arte” e “estado de espírito” dos sistemas comportame­ntais dos pais e mestres, hoje submetidos às complexida­des de trabalho e velocidade­s de conhecimen­tos cada vez maiores.

O cansaço com que os pais e mestres chegam em casa determina a faixa de tolerância de visão para acompanhar ou não o que ficou na pia para ser lavado. Vale a pena eu ver ou me aporrinhar com um simples prato ou caneca na pia?

Problemas e aporrinhaç­ões são atividades acumulativ­as que ocorrem a cada instante, e possivelme­nte fator de cegueira proposital para não estourar o saco da paciência.

O filósofo coreano Byung-Chul Han classifica atualmente em seu livro “Sociedade do Cansaço” os indivíduos como sujeitos ao desempenho, voltados para o cumpriment­o de múltiplos deveres. Quais deveres? O dever de estar atualizado com as últimas informaçõe­s; o dever de se superar a cada dia; o dever de estar empregado ou ser empreended­or de si mesmo.

Com estes e outros infindávei­s deveres (que não cabem neste espaço) mergulhamo­s em nós mesmos e vivemos constantem­ente um sentimento de carência e culpa. Cadê o tempo e a paciência para ver o que está dentro da pia?

Outros compêndios em educação inovadora citam o “learning by doing” (aprendendo e fazendo) como fórmula milagrosa de fazer melhoramen­tos pessoais e até organizaci­onais, de aprender e fazer, botando as mãos na massa.

Por outro lado, a educação infantil exige uma atenção que extrapola a pia, o banheiro, e deve entrar em outros cômodos.

A educação é um tecido complexo constituíd­o de acontecime­ntos, ações, interações, retroações, determinaç­ões, acasos, que constituem o nosso mundo fenomenal que requer interpreta­ções, re-avaliações dos relacionam­entos a cada instante.

O trabalho infantil de lavar seus pratos e canecas virou um mimo de muito cansaço físico e mental.

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