É Buscetta mesmo
Don Tommaso Buscetta, um dos mais sanguinários criminosos italianos, morreu de câncer há 19 anos, em Nova York, onde vivia como testemunha protegida. Preso no Brasil em duas ocasiões, ele “dedurou” a Cosa Nostra na Itália e nos Estados Unidos, provocando dezenas de prisões de autoridades nos dois países com suas delações premiadas. Isso me fez lembrar da mão de obra que tive para seguir seus passos, mesmo diante das inúmeras identidades falsas que usava. Eu o localizei em 1982, em São Paulo. Seu nome era um terror para locutores de emissoras de TV. A pronúncia chegou a ser modificada por um conhecido e aposentado apresentador de noticiário de rede nacional. “Porque é um nome feio, um palavrão, uma falta de respeito”, explicou, na ocasião, esse velho e respeitado narrador. Tommaso, já preso no Rio de Janeiro, sabendo que o nome tinha sido mudado “pelo bem da moral e dos bons costumes”, riu da mudança. Mas foi taxativo, afirmando, durante uma entrevista, a pronúncia original: “É Buscetta mesmo”. Anteriormente, em 1972, preso pela turma do falecido, lendário e tristemente famoso delegado Sérgio Fleury, foi torturado e extorquido. Ele e os comparsas, franceses e brasileiros, confirmaram as acusações. Mesmo assim, voltou ao país
em 1982, depois de fugir da prisão na Sicília. Ele havia organizado uma super quadrilha por essas bandas. Na Europa, a união era tida como inimaginável. Mas Don Masino, como também era conhecido, conseguiu montar neste país tropical a quadrilha formada por bandidos franceses da União Corsa, mafiosos da Cosa Nostra e brasileiros. Francesas e italianos eram inimigos e concorrentes na Europa. Mas parceiros por aqui. A Polícia Federal consegue prender o italiano, em São Paulo, em 1983. No ano seguinte, com a cooperação da Justiça brasileira e italiana, foi criado um esquema que facilitou a extradição do criminoso, na Operação Mãos Limpas, em Roma. O juiz Giovanne Falcone, responsável pelo esquema, foi morto com a família e seguranças, anos mais tarde, quando seu carro foi explodido na Sicilia. Eu conheci o juiz Falcone no Rio de Janeiro, após ser apresentado por um delegado federal, que havia prendido, pela última vez, o mafioso. Don Masino, em Roma, começou a delatar políticos, militares, industriais, comerciantes, jornalistas, funcionários da Justiça... As prisões italianas ficaram abarrotadas de mafiosos e seus colaboradores. Os Estados Unidos conseguiram a extradição. E o traidor, como ficou conhecido pelos mafiosos, ficou aos cuidados do FBI. Mais delações em solo americano e Tommaso acabou como testemunha protegida, com identidade nova e endereço desconhecido. Fui depor para a Justiça italiana em março de 2000, em pleno carnaval carioca. Contra ele, é claro. A figura apareceu no tribunal através de videoconferência. Foi a última vez que vi o bandido vivo. Ele morreria duas semanas depois, quando eu já estava de volta ao Rio. Fiquei desconfiado com a morte dele. Perdi uma oportunidade de voltar à Itália. Explico: no Tribunal, em 2000, contei somente a metade do que sabia. Crente que poderia ser convidado novamente para contar o restante que havia preservado para uma segunda parte. Ah, Buscetta deixou viúvas ( uma delas, brasileira) filhos, talvez netos... e várias vítimas.