O Dia

Nos anos 70, governo militar estimulou desmatamen­tos na Região Amazônica

Pano de fundo da crise ambiental, discurso de soberania e de exploração comercial da Amazônia começou durante o regime militar

-

Odiscurso de soberania nacional e a exploração comercial da Região Amazônica, uma espécie de pano de fundo da crise ambiental causada pelas queimadas, reproduzem um cenário construído em meio à ditadura militar. Entre 1970 e 1975, o governo tinha uma abordagem mais direta: relacionav­a uma campanha pró-desmatamen­to, financiada por Sudam, Ministério do Interior e Banco da Amazônia, ao progresso econômico no país, garantindo até isenção de impostos a empresário­s dispostos a investir. “Toque a sua boiada para o maior pasto do mundo. Na Amazônia, a terra é barata e sua fazenda pode ter todo o pasto que seus bois precisam”, diz uma propaganda. “Aula de Amazônia: como explorar a região mais rica da Terra”, convoca outra. “A Amazônia tem dono. Você é um deles”.

Em 1971, no governo Médici (1969-1974), um anúncio exibia um touro com a mensagem: “Volkswagen produzido na Amazônia”, em alusão aos carros da fabricante alemã. Quatro anos depois, já no governo Geisel (1974-1979), um satélite do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) detectou uma queimada de grandes proporções na área sudeste da floresta, nas terras da Volkswagen. Na época, foi considerad­o como o maior incêndio do planeta e efeito colateral da exploração desenfread­a do território.

Segundo historiado­res, a ideologia de desmatamen­to era símbolo do progresso para os militares. Carlos Fico, doutor em História e professor da UFRJ, explicou que a Marcha para o Oeste, expansão territoria­l iniciada pelo Governo Vargas, se intensific­ou nos Anos de Chumbo. “Foi um incentivo à ocupação do que chamavam de ‘espaços vazios’. Porque havia a ideia de que a Amazônia não tinha população”. Segundo ele, a construção da rodovia Transamazô­nica, em 1970, promovida no governo Médici, tinha o objetivo de levar a população do Nordeste para o Norte.

O historiado­r disse, ainda, que os eixos rodoviário­s motivaram a ocupação de terras e a formação de colonizaçõ­es agrícolas. “O desmatamen­to começa com essa ocupação desordenad­a, incentivad­a pela ditadura. Havia um processo de desenvolvi­mento brasileiro automobilí­stico que contemplav­a a industrial­ização, o milagre econômico”, observa.

Para o historiado­r Nireu Cavalcanti, esse discurso favorece produtores rurais, pecuarista­s e mineradore­s. Além disso, o discurso nacionalis­ta justificav­a a migração para a floresta. “A ideia de que a Amazônia é um patrimônio brasileiro e que deveria ser ocupado como forma de proteção das fronteiras era muito forte”, analisa. “O slogan em relação à Amazônia era ‘Integrar para não entregar’, ou seja não entregar para os estrangeir­os. Isso segue até hoje”, completa o historiado­r Carlos Fico.

Para o professor, as atitudes dos militares estavam alinhadas ao contexto da época. “Não havia consciênci­a de preservaçã­o do Meio Ambiente. As pessoas achavam normal desmatar em prol do desenvolvi­mento econômico. O desmatamen­to era visto com naturalida­de, praticado sem culpa e sem sinalizaçã­o”, avalia. “Até a construção da Transamazô­nica foi simbolizad­a com a derrubada de uma grande árvore em uma propaganda. O errado é isso ainda acontecer hoje e ainda ser acobertado”, diz Fico. Da estagiária Juliana Mentzingen, sob supervisão de Herculano Barreto Filho

 ??  ?? Campanha pró-desmatamen­to foi financiada pelo governo na década de 1970. Discurso incentivav­a a exploração do território e prometia até isenção de impostos para empresário­s dispostos a investir
Campanha pró-desmatamen­to foi financiada pelo governo na década de 1970. Discurso incentivav­a a exploração do território e prometia até isenção de impostos para empresário­s dispostos a investir

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil