DONAS DO PEDAÇO
Boleiras contam como adoçaram suas vidas através da profissão escolhida pela heroína Maria da Paz
Aarte de combinar ingredientes é capaz de promover transformações muito maiores do que o crescimento da massa dos bolos. Ela muda a vida de quem adotou no dia a dia o bordão de Maria da Paz, a irresistível boleira de Juliana Paes na novela “A dona do pedaço”, da Globo: tem que virar a massa com amor para dar certo. E como dá! As Marias da Paz da vida real também mostram que é possível superar dificuldades ao abraçar os requintes dos bolos confeitados como profissão.
Rosane Coelho, 41 anos, sentiu na pele o mesmo aperto que motivou a guinada da personagem. Ainda bem jovem, descobriu que estava grávida, e logo pensou na solução: virar boleira. “Eu seria mãe solteira de gêmeas, então comecei a vender bolo no Fórum para sustentar as minhas filhas”, conta. Desde 2004, ela trabalha exclusivamente com bolos confeitados para festas e usa a cozinha de casa como escritório. “Com a venda de bolos, pago minhas contas e até coloquei minhas duas filhas na faculdade”, orgulha-se Rosane. Na hora de cozinhar e confeitar, o toque especial vem da família. “Eu já tive muitos ajudantes, mas as minhas filhas são as melhores. Elas batem o bolo e fazem o recheio, mas quem decora sou eu”, ressalta, com gosto.
O aperto no bolso também trouxe Letícia Picoli, 24 anos, para a vida de “dona do pedaço”. Uma dívida no cartão de crédito da amiga fez a jovem pensar na confeitaria como saída. Decidida, resolveu aprender a fazer bolos na marra. E viveu uma reviravolta. “Eu andava muito deprimida, fazer bolo me salvou. Chorava e cozinhava. Ser boleira me salvou”, revela.
Em 2016, Letícia abriu a primeira loja, em Queimados. Em 2019, a segunda, em Nova Iguaçu. Os negócios crescem, mas o ritual se mantém. Devota, Letícia confessa: “Eu sempre rezo antes de fazer bolo, senão dá errado”. A jovem acompanha a novela e se sente
representada por Maria da Paz, mas desmistifica o cotidiano. “Todo mundo acha que trabalhar na cozinha é glamour, mas é mais lavar louça do que outra coisa”.
Para Juliana Paes, a determinação é a principal característica de Maria da
Paz, que faz com que as pessoas se identifiquem com a personagem. “É uma mulher que não esmorece, que pode inspirar não só as boleiras. O tipo de inspiração que ela suscita é no sentido de acreditar no próprio talento. E aí é possível ser o que for. O lance é ter paixão pelo que faz. Acho que é o grande segredo da personagem, do sucesso da Maria da Paz”, diz. A atriz acrescenta que se inspirou em todas as mulheres que, para manterem a dignidade, se reinventam e dão duro na vida para sustentar a família. “Minha mãe é uma grande inspiração para mim também. Muitas mulheres usam o dom que têm para conseguir um trabalho. Acredito que se a pessoa foca no objetivo com amor e verdade, ela consegue”, completa a intérprete da heroína da novela das 21h, que voltou a vender bolos na rua depois de perder sua fábrica para a filha golpista.
A vida de boleira tem outro significado para Selma Rocha, 57 anos. Apegada à família, ela largou a carreira de bancária para trabalhar em casa. “A vontade de fazer bolo era a necessidade de estar perto de filhas e netas, e vê-las crescerem”, comenta. A receita passada pela mãe virou sua marca registrada, e o sabor já até emocionou clientes. “Uma vez, um senhor provou o bolo e chorou porque disse que sentiu que o bolo tinha o gosto do que sua mãe fazia”, conta.
Exigente, Selma procura entregar o melhor bolo possível e também peneirar os melhores ingredientes. Ela expõe a rigorosa realidade dos bastidores: “A rotina de boleira é descabelada, unha curta pra trabalhar na cozinha, não usamos maquiagem e é correria o tempo todo”. Reportagem do estagiário Julia Noia, sob supervisão de Clarissa Monteagudo