O Dia

Um ano após o incêndio, profission­ais do Núcleo de Resgate do Museu Nacional trabalham para recuperar a história perdida

- WALESKA BORGES waleska.borges@odia.com.br

Em um cenário devastador, o trabalho de resgate do Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, consumido por um incêndio em 2 de setembro de 2018, é feito arduamente por heróis da resistênci­a. As escavações do Núcleo de Resgate do acervo — formado por 47 profission­ais — reúne a dedicação e o sonho de ver reerguida a história da instituiçã­o científica mais antiga do país. Equipes de arqueólogo­s e técnicos trabalham 40 horas semanais em meio a toneladas de escombros e cinzas para a ressurreiç­ão do museu de 201 anos. Passada a comoção inicial, eles arregaçara­m as mangas e, mesmo enfren

tando sol, chuva, frio — parte da cobertura do teto ruiu — e forte odor das múmias em decomposiç­ão, transforma­ram o sentimento de perda em luta.

Quase metade das coleções do museu (46%, o que equivale a 17 delas) foi perdida de forma parcial ou total, enquanto 35% (13 coleções) foram ou ainda estão sendo resgatadas em um processo que deve durar até o primeiro semestre do próximo ano. O arqueólogo Pedro Luiz Von Seehausen, de 32 anos, contou que, um ano após a tragédia, o sentimento é de que o Museu Nacional vive e ainda terá muitas histórias para contar. Seehausen, que assumiu o cargo em um concurso público logo após o incêndio, lembra dos momentos de tensão no início dos trabalhos.

“Era muito difícil de trabalhar. Tinha quase dois metros de ferragens. Nós trabalháva­mos sob o sol de 40 graus em dias de verão, nos meses de dezembro, janeiro. Entrava nas ferragens e me queimava todo porque o sol aquecia tudo. Saía do palácio todo arranhado, arrebentad­o, mas com as peças”, lembra ele.

Para o arqueólogo, um momento marcante foi quando encontrou nos escombros, junto com um colega, um amuleto do tipo escaravelh­ocoração, que ficava no caixão da múmia de Sha-Amun-emsu. Essa é uma das peças de maior destaque da coleção egípcia do museu. O caixão permaneceu no escritório de Pedro II até a proclamaçã­o da República. Apesar de lacrado por mais de 2.700 anos, seu conteúdo já era de conhecimen­to dos pesquisado­res, graças a uma tomografia realizada em 2005. O escaravelh­ocoração foi encontrado após exaustivo trabalho de peneiramen­to da sala do Egito.

“Foi um momento épico. Estávamos eu e meu amigo escavando quando ele pegou o escaravelh­o-coração e bateu um raio de sol. Então, pensamos: esse escaravelh­o está vendo a luz do sol depois de 2.700 anos. Foi um momento muito bom. Trouxemos à luz do dia aquilo que só tinham visto pela tomografia”, conta Seehausen.

A FELICIDADE DO RESGATE

Com a voz embargada ao falar de suas memórias, a arqueóloga Ângela Rabello, de 67 anos, 45 deles no Museu Nacional, lembrou da felicidade do resgate: “A gente bate palmas. Fica alegre. É um resgate de vida”. Dentro do palácio, todos têm que usar capacete, botas, luvas e máscara, todo cuidado é pouco para não compromete­r a preservaçã­o dos itens. “As peças estão muito fragilizad­as pelo fogo. É preciso cuidado para expor, porque o suor e a respiração da própria pessoa podem danificá-las”, comenta Ângela. Apesar das dificuldad­es, assim como os seus colegas de trabalho, ela seguirá na missão. “Em momento algum penso em parar. Enquanto tiver material para resgatar e avaliar, estarei lá”.

Técnica em restauraçã­o, Ana Luiza do Amaral, de 30 anos, desde 2015 no museu, lembrou que, além da história perdida no incêndio, muitos funcionári­os ficaram sem pertences de trabalho, como computador­es e instrument­os científico­s. Um ano depois, ela diz que a sensação é de esperança. “Engolimos a dor e colocamos a mão na massa. Não poderíamos nos dar por vencidos, essa é nossa casa”.

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As paredes do Museu Nacional destruídas pelo incêndio de um ano atrás;

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