O Dia

Peita e seus mistérios

- André Gabeh facebook.com/andregabeh

Peita faz tudo com palha, bambu, vime, junco, rattan, rabo de elefante, crina de boi-bumbá e arame. Peita é uma grande artesã e baloeira. É formada em auxiliar de enfermagem, mas foi exonerada do IASERJ após jogar um saco de xixi na cabeça de uma faxineira que a chamara de fuscão preto. Peita era lésbica, negra e empoderada antes de todo mundo se empoderar. Fuscão preto? Foi motivo de porradaria? Tava errada? Não! Perdeu o emprego, mas não baixou a crista. Peita também é apontadora de jogo de bicho e toca tantan no VIRILHA MOLE, grupo de pagode erótico contratado de algumas casas de swing da Zona Norte do Rio e da Baixada Fluminense. Deumólila, minha amiga equivocada, ficou fascinada com o bequinho onde Peita anotava a fézinha dos moradores de Engenheiro Leal. Achou bucólica a decoração que misturava copo d’água com olho de boi, estátuas de São Jorge, Nossa Senhora Aparecida e Caboclo Tupinambá e calendário de entregador de gás com fotos de cachorro, junto de uma vela de sete dias, charutos e uma tacinha redonda cheia de um líquido não identifica­do. Peita se acendeu toda, fez até pose de modelo de anúncio de cueca saco de batata pra jogar uma seduzência pra cima de Deumólila. — É aqui que eu vou comprar meu babalaô? Peita levou um susto. Ficou tão arregalada que parecia que tinha levado uma picada de marimbondo na tireoide. — Se acalma, Peita. Ela quer um balaio e confunde as

palavras toda hora. — Mas gente! Qual o problema de se comprar um babalaô? Minha mãe comprava babalaôs! Tenho certeza. Lembro de ela dizer que não era ninguém sem os babalaôs dela — Deumólila estava muito confusa. — Formosidad­e minha, a escravatur­a já devia ter acabado na sua infância e é meio difícil que sua pessoa tenha vivido a fase de compra e venda de humanos aqui no Brasil. A não ser que sejas uma vampirona chupadora de sangue e já tenha pra base de quatrocent­os anos. Peita riu e roncava no meio da risada. Deumólila também sorriu e negou a vampirosid­ade. Peita ficou decepciona­da. — Uma pena a senhora não ser chegada a um Draculismo, porque eu sou todinha de babaixá e de balacubaca. — Como? — Eu e Demólila perguntamo­s em uníssono. — Pepepeperê peperepê pepê perê pepê. — Hã? - de novo nós dois em coro. Peita continuou, dessa vez cantando: — E aí? Chupa toda! Toda! E aí? Chupa toda! Eu disse toda! Fizemos cara de ganzá amassado. Deumólila retomou sua dúvida com uma pergunta insólita: — Qual era o nome daqueles enfeites coloridos da Carmem Miranda? — Balangandã­s, minha cremosa — Peita respondeu com carinha de Diogo Nogueira pedindo chope. - Isso. Minha mãe tinha isso. Balangandã­s. Respiramos aliviados. A conversa foi interrompi­da pela entrada turbulenta de Venezuelle­n no recinto. Nos cumpriment­ou rapidament­e e começou seu jogo: — Peita, sonhei que o Luan Santana entrava na minha casa e escovava os dentes com meu xampu anticaspa. Vou apostar na vaca. — Na vaca? — perguntei, incrédulo. — Sim, vaca. Meu neto se chama Luan, e eu amo meu neto e também amo vacas. E Luanzinho tem umas quizilas na cabeça que parecem caspa e tem a carinha manchada que nem uma vaca. Jogo na vaca. Concordei com tudo, mas fiquei impression­ado por Venê já ter netos. — Já tenho três netos: um casal de um dos gêmeos, e Luan, que é filho de Feia. Peita cercou todas as possibilid­ades da aposta: grupo, dezena, centena, milhar... E ainda sugeriu que ela jogasse no coelho também, porque o único ovo de Páscoa que ela ganhou esse ano foi um que veio com um bonequinho do Luan Santana de brinde. Venezuelle­n acatou. Nos despedimos de Venê, e Peita foi pegar um dos balaios que tinha pronto em sua Kombi azul-calcinha. Quando estava saindo, foi interpelad­a na porta por Jorge de Iansã, que adorou minha amiga cheia de miçangas e figurino aleatório. — Nossa! Uma legítima filha de Oxum! Deumólila contestou, disse que era de Iansã. Vira na internet. — Oxum, minha filha. Talvez Oxum Apará. — Ah, queria Iansã. — Mas é Oxum! — Como você sabe? — Sou um babalaô. — Finalmente! Quero! #artistasub­urbanorefl­exivo Coluna publicada aos domingos e às quintas-feiras

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil