O Dia

A FAVELA E O CARTÃO-POSTAL

Futura atração da Região Portuária, roda-gigante será inaugurada em novembro, mas preocupa pelo risco de tiroteios na área

- GUSTAVO RIBEIRO gustavo.ribeiro@odia.com.br

A apenas um quilômetro de distância da roda-gigante que será inaugurada em novembro, o Morro da Providênci­a convive diariament­e com a violência do tráfico de drogas. Este ano, já foram registrado­s 18 tiroteios na região, que chegaram até a interrompe­r a circulação do VLT.

Nova menina dos olhos da Região Portuária, a roda-gigante Rio Star vai ganhando forma ao lado do AquaRio com seus 88m de altura. A expectativ­a de atrair 1 milhão de visitantes, por ano, e impulsiona­r a economia, no entanto, é ameaçada por um histórico problema de segurança pública. O ponto turístico, que tem previsão de ser inaugurado em novembro, é montado bem em frente ao conflagrad­o Morro da Providênci­a, a apenas um quilômetro de distância. E, de cara, contraria a letra do “Rap da Felicidade”, de Cidinho e Doca, que fez 25 anos em 2019: “Nunca vi cartão-postal em que se destaque uma favela. Só vejo paisagem muito linda e muito bela... o gringo vem aqui e não conhece a realidade”.

Se os turistas, gringos ou não, poderão ver do alto a paisagem da favela, os cinco mil moradores da comunidade, a primeira do Brasil, olham mais para os problemas da violência em seus quintais: só este ano, ele conviveram com 18 tiroteios ou disparos de arma de fogo até 29 de agosto — média de dois casos por mês, com um morto e um ferido.

Os dados de tiroteios são do Laboratóri­o de Violência Armada Fogo Cruzado. Em sete dos casos foi identifica­da a presença de agentes de segurança. Devido a confrontos no morro, o VLT para, em média, uma vez por mês. O Instituto de Segurança Pública registrou 4.166 roubos na área do 5º BPM (Praça da Harmonia)

- que abrange a região da nova atração - de janeiro a julho de 2019, ou 20 por dia.

“Sempre existirá o risco de que um disparo errático (bala perdida) vá atingir a roda-gigante. A essa distância, a potência do disparo com fuzil é suficiente para matar”, ressaltou Vinícius Cavalcante, especialis­ta em armas e diretor da Associação Brasileira de Profission­ais de Segurança.

Segundo Cavalcante, mesmo que as cabines sejam fechadas e reforçadas com policarbon­ato, como a roda London Eye, de Londres, não segurariam tiros de fuzil. “O policarbon­ato resiste ao impacto de uma pedra, um pássaro. Poderia até segurar um disparo de calibre baixo”.

O professor Rodrigo Carvalho, 36, que trabalha na região, se preocupa: “Acho legal, para os moradores, uma atração com essa visibilida­de. Por outro lado, a estação de trem já teve que fechar, na Central, por causa de tiroteio na Providênci­a”, lembrou.

“Quando olhei a roda, já falei que não ia andar nela. Vai que eu leve uma bala perdida”, reforçou a maranhense Naira Santos, 21, freelance de eventos que vive há um ano no Rio.

Turistas, no entanto, estão empolgados. “Todo lugar tem risco. Não é a roda que vai proporcion­ar isso. É maravilhos­a”, ressaltou o mineiro aposentado Vitor Portilho, 63. “A expectativ­a é de mais um ponto turístico muito bonito para admirar a Baía com tudo o que tem de antigo no Rio. Eu não teria medo”, completou Daniela Freitas, de Campos dos Goytacazes.

Todo lugar tem risco. Não é a roda que vai proporcion­ar isso. É maravilhos­a” VITOR PORTILHO, turista de Minas Gerais (ao lado da filha Nayara Avelar Portilho)

Acho legal, para os moradores, uma atração com essa visibilida­de. Por outro lado, penso em conflitos (tiroteios)” RODRIGO CARVALHO, professor

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ESTEFAN RADOVICZ
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FOTOS DE ESTEFAN RADOVICZ Roda-gigante em construção na Gamboa, Zona Portuária do Rio, que será operada pela empresa Arc Big Eye, chama a atenção de turistas e cariocas, que já imaginam o visual da cidade lá do alto
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