O Dia

Brasileiro, profissão liberdade

- Gabriel Chalita Professor e escritor

Conheci Claudia, em Salvador. O sorriso chegou antes de qualquer consideraç­ão. Estava com alguns amigos em seu táxi. Claudia disse sobre liberdades e sobre os dias que ela sonhava com o nome de futuro. Claudia leva o Brasil no sobrenome. Claudia Brasileiro.

A paisagem que o caminho apresentav­a a incentivav­a a falar de sua terra. A Bahia de todos os santos. De todas as dores. Da alegria. Falou da filha que, há pouco, se formara na universida­de. Falou do que falta para sermos livres. Educação. Enquanto via crianças que se ajeitavam para fazer algum pedido perto do carro que aguardava o sinal, repetia: “Educação. Tivessem essas crianças a oportunida­de de exercitar o cérebro, teriam um lindo futuro”.

Fiquei feliz ao ver sua reação, quando ela perguntou minha profissão. Disse estar honrada em conduzir um professor. Disse que gostaria de ter sido professora. É quem carimba os passaporte­s para o futuro.

Nos seus silêncios, havia contemplaç­ões. E, depois, explicaçõe­s. Não se cansava do horizonte. O mar e seus mistérios. E sua grandeza. Somos grandes, também. E frágeis. E, se não nos cuidarmos, nos perdemos no caminho.

Voltou ao exercício do cérebro. Gostei de sua opinião. Cérebros que não se exercitam desperdiça­m amplitudes. Ficam menores. Perdem tempo com pequenezas.

Não gosta ela do rumo que o país está tomando. É pena que os ódios estejam na sala principal. Estamos perdendo a liberdade. Há olhos errados decidindo sobre a nossa cultura, sobre a nossa educação, sobre a abundante vida que mora em nossa natureza. Os tempos de ontem foram melhores para a nossa independên­cia.

Perguntou se eu gostava do Nordeste. Respondi sem titubear. “O Nordeste é fascinante. Cada estado. Cada gente nordestina. Cada cheiro de alegria e criativida­de. Desfilei a falar dos poetas da Bahia, dos escritores que ganharam o mundo com suas narrativas do cotidiano”. Ela gostou. Fui adiante. Falei da música. Da criativida­de.

E aproveitei para usar o conceito do exercício do cérebro.

Claudia Brasileiro entende de Brasil. Nas conversas de pessoas que conduz, observa e, quando permitida, opina. Foi o que me disse. Gosta da conversa porque gosta de gente. E aproveita o que faz para fazer a sua parte na parte do Brasil em que vive. Está triste pelos ódios e pelos riscos à liberdade; está feliz porque acredita na sobrevivên­cia do amor. Ama sua filha. Ama seu país.

Diz sobre os que chegaram à Bahia e se encantaram com a nova terra. Tudo começou por aqui. Os sonhos de grandezas e a perversida­de. Os índios sofreram e também os negros e também os pobres. O açoite adormeceu muita história. Evoluímos. Nossa independên­cia não se deu por um dia apenas, por um grito, por uma decisão. Nossa independên­cia se constrói no colorido das nossas diferenças. No dançar coletivo. No subir e descer as ladeiras sem medo de capatazes de ontem ou de hoje. Nas composiçõe­s diversas nascidas de diversos cérebros que aprenderam a importânci­a dos exercícios. Ninguém pode ser deixado para trás.

Novamente, vemos crianças. Novamente, fala ela da educação. E prossegue ensinando. “Alguns dizem que é preciso matar; alguns, para servir de exemplo, que é assim que se combate a violência. Que é preciso dar segurança aos homens de bem. Estão errados”, decide ela. Ódio gera ódio. E, em meio a um sorriso que ilumina a Bahia e o resto do mundo, ela solta mais um elogio. “Que honra conduzir um professor”.

Chegamos ao destino. Agradeci a aula. Sorriu ela encabulada. As aulas não acontecem apenas nas classes das escolas. Exerce Claudia o seu magistério conduzindo gentes. E o exerce com dignidade.

Olhei-me no espelho, no quarto do hotel, e falei para mim, para o meu cérebro, para o meu coração, aliviando os cansaços dos dias em que falta sol: “Que bom que escolhi este ofício, professor, profissão esperança”.

Ainda ontem falamos da independên­cia. Sei que ainda falta muito. O Brasil é muitos. E há muitos que aguardam compreensã­o. Mas há algumas Claudias, por aí, nos provando que o compositor que diz que Deus é brasileiro, brincou, mas não errou. Que bom que nasci aqui. Terra fértil para semeaduras. As pragas vêm e vão. O que é bom há de permanecer.

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