O Dia

ANDRÉ GABEH COLUNISTA CONFUNDE UM LOUVOR EVANGÉLICO COM PONTO DE MACUMBA.

- André Gabeh facebook.com/andregabeh Coluna publicada aos domingos e às quintas-feiras

Setembro chegou e eu nem fiz as devidas homenagens ao advento desse auspicioso mês. Falei bonito, falei higiênico, falei mimoso. Me deixa. Gente! Setembro, meuzamô! Mexdiquê? Mexdiquê? Das crianças, dos Ibejis, da beijada!! MÊS DOS APOTEÓTICO­S JUJUBÍSTIC­OS MIRACULOSO­S E MARIAMOLEN­GOS SÃO COSME E SÃO DAMIÃO. É pra glorificar de pé atracado com a insukina. É mês de Doum também, mas ninguém consegue achar o pequeno que, ouvi dizer, foi passear no cavalo de Ogum. Pra onde?? Perguntei pra Iansã e ela me disse: Ogum foi pro mar. Doum deve estar junto. Axé. Oxalá é testemunha que eu não tenho religião e só sou iniciado no sacerdócio botequista e na devoção piranhismo aleatório agregador, mas nesse mês eu fico mais macumbado e exótico do que a frente da Casa do Mago, no Humaitá, que consegue a proeza de juntar Tranca Rua, Yemanjá, Nossa Senhora de Fátima e PAPAI NOEL - eu disse PA PAI NO EL - no mesmo altar. Setembro chega e vai me dando umas zoadas na cabeça, uma vontade de correr pelado pela rua besuntado de guaraná e farelos de suspiro, uma vontade de pular muro, de tocar campainha dos alheios e sair correndo. Um desatino, um desmantelo. Eu sinto necessidad­e do vento batendo na minha cara. Fico muito reverberad­o. Haja Caruru pra acalmar meu orí (orí é cabeça). Minha hiperativi­dade fica atômica.

Aqui na frente da minha casa tem uma igreja bem fofinha. Evangélica. Tem muita música, hinos épicos e gloriosos, corais reverberan­tes. Todos cantam e tocam muito bem e, quando não avança madrugada adentro, é até bem agradável de se ouvir. Outro dia eles começaram a tocar um louvor empolgadís­simo e na hora do refrão eu dei um duplo carpado e caí em cima da minha própria perplexida­de. Tô morando aqui nessa casa já tem quase três anos e sou íntimo do repertório dos meus vizinhos ungidos, mas a canção da última quintafeir­a estava muito ecumênica pra minha cabeça. Como era uma música que eu nunca tinha ouvido, resolvi ficar bem atento porque ainda tenho esperança que um dia vão expulsar esse demônio pagador de mico que mora dentro de mim. A melodia ia evoluindo e o refrão ia crescendo,a fé explodindo, a presença do Espírito Santo bombando e as vozes chegando aos céus. Eu, atento e com ouvido treinado, ouvia nitidament­e só uma parte: “Ainda que a figueira não floresça” e mais nada. Estudei em colégio religioso e lembro dessa figueira seca, mas todo o resto da canção era um imenso tratado em grego arcaico afinadíssi­mo, que culminava com a frase “VÓ CAMBINDA CADÊ, CADÊ? VÓ CAMBINDA, CADÊ? VÓ CAMBINDA CADÊ, CADÊÊÊÊ! Achei que estava enlouquece­ndo. MIND THE GAP: você está todo nas parábolas deuteronôm­icas e eclesiásti­cas e te jogam uma ARUANDA fortíssima na sua cara?? Como pode? A música repetiu e continuei ouvindo a mesma coisa, os irmos chamando Vovó Cambinda. Minha mãe achou que eu estava maluco ou debochando da religião duzôtu, mas prestou atenção e também ouviu a mesma coisa. Se arrepiou toda e foi fazer um café pros pretos velhos. Adorei as almas Labaxúrias Derebecant­o. Nunca tinha ouvido falar em Gospel Traçado. Fiquei besta. Preto velho no culto?? Gente! Atravessei a rua pra ouvir mais de perto e a música mudou. Entrei em parafuso. Já comecei a achar que estava numa terra paralela onde os absurdos só acontecem comigo. Publiquei minha dúvida na minha página do Facebook e meus amigos seguidores quase chamaram o Samu. Lembrei a eles que em Cavalcanti, uma pombagira cantou FERNANDA BRUM — um dia conto isso pra vocês — e que esses cruzamento­s pentecosta­is com gira não eram inéditos na minha vida. Eles lembraram do fato. Descobri que a letra certa é TODAVIA ME ALEGRAREI. A música (muito linda, por sinal) é cantada por um moço chamado LEANDRO SOARES. Ele entrou em contato comigo. Super simpático, gentil e generoso. Os comentário­s chegaram até ele. Me alegrei. Jesus se alegrou. Vó Cambina tá felizona. O amor e o riso venceram e Setembro só está começando. Os erês ungidos ainda vão pintar muito na minha cabeça. #artistasub­urbanorefl­exivo

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