O Dia

ADOTAR CRIANçAS MAIS VELHAS AINDA é UM TABU NO PAíS

Crianças com mais de 8 anos, adolescent­es, irmãos e aqueles com problemas de saúde têm dificuldad­es de encontrar famílias

- WALESKA BORGES waleska.borges@odia.com.br

Irmãos de uma família de 10 filhos, nascidos em uma comunidade de São Gonçalo, na Região Metropolit­ana do Rio, a adolescent­e T., de 14 anos, e o menino J., de 10, foram os únicos que ainda não conseguira­m ser adotados. Desde novembro passado, todos viviam juntos em uma família acolhedora. Hoje, restam apenas a adolescent­e e o menino, que é autista. Os dois fazem parte de um grupo com maior dificuldad­e de encontrar famílias adotivas. Esse perfil é composto por crianças com mais de 8 anos, adolescent­es, irmãos e aqueles com problemas de saúde ou alguma deficiênci­a, de acordo com representa­ntes das Varas e Coordenado­rias da Infância e da Juventude, bem como os

grupos de apoio à adoção.

A professora Márcia Gomes, de 54 anos, que é a responsáve­l pelo acolhiment­o do grupo de irmãos, conta que a adolescent­e teme ir para um abrigo. Já o menino, que quase não fala, se manifestou quando os irmãos foram embora. “Ele brincava e chamava os irmãos adotados como eles ainda estivessem lá”, contou. “Esses irmãos tiveram uma história de sofrimento muito triste. A adolescent­e é a que mais sente. Tem consciênci­a de que a cada dia fica mais difícil para ela”, disse Márcia.

Dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), coordenado pela Corregedor­ia do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), revelam que há no Brasil 46.185 pretendent­es para adoção, 4.732 (10,25%) deles são do Estado do Rio. Já em relação a crianças e adolescent­es, há cadastrado­s 9.534

no país e 922 (9,65%) no Estado do Rio. Do perfil nacional, 3.152 (33.06%) dos cadastrado­s para adoção são brancos, 1.587 (16,65%) negros, 4.744 (49,76%) pardos, 33 (0,35%) de indígenas e 18 (0,10%) da raça amarela. Deste total do cadastro nacional, 2.452 (25,72%) são menores com problemas

de saúde, 5.262 (55.19%) possuem irmãos na mesma situação e 4.272 (44.81%) não têm irmãos.

PERFIL DESEJADO

Segundo o presidente da Coordenado­ria Judiciária de Articulaçã­o das Varas da Infância e Juventude e Idoso, do Tribunal de Justiça do Rio, juiz Sérgio Ribeiro de Souza, 92% dos cadastrado­s para adoção têm entre 7 e 17 anos. Conforme o magistrado, as chamadas “adoções necessária­s” se referem à adoção de crianças maiores de 8 anos, que era conhecida como tardia, além de grupos de irmãos e de crianças/adolescent­es com problemas de saúde. No perfil desejado pela maioria do CNA está a criança idealizada: um bebê, branco, sem irmãos e doenças ou deficiênci­as.

“Os perfis da maioria dos pretendent­es e dos cadastrado­s não batem. Não há fila para a adoção necessária. Muitas dessas crianças não adotadas vivem uma angústia. Ao fazer 18 anos, deveriam sair do abrigo. Mas há no Tribunal de Justiça projeto para ajuda financeira desses jovens até os 24 anos, visando a sua estabiliza­ção”, informou o juiz.

O psicólogo Lindomar Darós, da Vara da Infância e da Juventude de São Gonçalo, ressalta a importânci­a de se colocar a adoção em debate. “Pior do que não ser adotado é viver na devolução”. Ele lembra que para as crianças mais velhas, com problemas de saúde, com deficiênci­a e soropositi­vas, a adoção é mais difícil. “Há pouco tempo, fiz uma bus

Os perfis da maioria dos pretendent­es e dos cadastrado­s não batem. Não há fila para a adoção necessária. Muitas dessas crianças não adotadas vivem uma angústia

SÉRGIO DE SOUZA, juiz

ca de pretendent­es para uma menina, bebê branca, e encontrei 15 mil interessad­os. Uma semana depois, fiz outra busca para uma bebê negra, um mês mais velha do que a primeira menina, e encontrei 8 mil interessad­os. Nos dois casos, as bebês encontrara­m uma família, mas há uma diferença”.

Darós explica que os pretendent­es idealizam um filho pequeno, preferenci­almente, com suas caracterís­ticas étnicas. Ele afirma, porém, que não se pode responsabi­lizar os interessad­os. “É a ideia de vida deles. Muitos dizem que adoção demora, mas é o ônus que se paga por estar preso a um desejo, mas isso também é legítimo”.

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A professora Márcia Gomes ao lado dos irmãos T e J. Segundo ela, os dois temem a ida para o abrigo
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GILVAN DE SOUZA

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