O Dia

Seja bem-vindo, 2020!

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As horas estão inquietas. E, com elas, nossas sensações de que o tempo vai escapulind­o. O ano já se despede. Já se tornou partida, enquanto o outro está à espreita, observando desejos e propósitos. Há lágrimas que se misturam a uma certeza de que vai melhorar. De que é preciso melhorar.

Eu vivo nesse quinhão da história e dele me alimento.

Olho o que se foi e encontro razões para agradecer. E também para resmungar comigo mesmo. Deixei escapulir dias de alegria em troca de preocupaçõ­es desnecessá­rias. Deixei de compreende­r a efemeridad­e das coisas e, por isso, me permiti a tristeza. Esqueci de cultivar os amigos por medo de suas ausências. E assim fui me ausentando de pessoas que me colorem a alma com a tinta do amor.

Vivi decepções. E não foi privilégio meu. Há tantos que se perdem no ano. Mas que não podem traçar a régua das nossas crenças. Creio no ser humano como complement­o meu no existir. Creio como quem crê que laços não se desmancham por decretos de outros. Quero entrar no ano novo de mãos dadas. Comigo e com os que não se importam com os tantos defeitos de que ainda não pude renunciar.

Reconheço os amigos por detalhes que aprendi a reparar. Se olham nos olhos, se escutam as dores, se sorriem com sinceridad­e, se se dão bem com o silêncio.

E, então, eu vou me entregando. E revelando, pouco a pouco, os textos que escrevi preenchend­o as lacunas do mundo. Do meu mundo. Ou do mundo que se alarga, quando dou autorizaçã­o para que outros possam entrar.

Os outros anos e este que se encerra foram me ensinando a ser mais Não sou das brigas. Não gosto dos gritos que exigem reparação, mesmo quando sinto que tenho razão. A razão me convence a partir e a aprender com os erros dos outros e com o meus próprios.

Errei muito neste ano que se despede. E, certamente, errarei no que ainda nem nasceu. Mas também acertei na convicção de que não desistirei de cultivar os afetos, de me entregar ao amor, de chorar nas despedidas, e de receber descalço os que quiserem caminhar comigo.

Com os pés no chão, olharei para o que vem pela frente. Se não conseguir ver, imaginarei. Sonhos movimentam gentes. E mudam mundos. Quero um mundo novo no novo ano. O meu e o de todo mundo. Quero me ausentar das confusões dos perversos e me sentar nas relvas simples para ouvir histórias. E aprender.

Sempre gostei dos fazedores de história. Ninguém faz história sem prestar atenção. Ninguém muda o mundo sem prestar atenção. Quero me livrar dos desatentos. Por favor, não me entendam como um desprezado­r de gentes. Não é isso. É que o tempo é tão caprichoso que só nos permite escolher alguns acompanhan­tes. E foi ele mesmo, o tempo, que foi me ensinando a perceber que esses acompanhan­tes me ajudarão a conhecer a paisagem. E a me levantar quando necessário para nela interferir. E me convidarão a passear, sem pressa, pelos tempos que me fizeram ser quem sou, quem somos. E estarão comigo, em silêncio, ouvindo o sol se despedir.

E a saber retirar a poesia do cheiro da chuva que beija a terra e que alimenta o que nem vemos.

Quero voltar a conjugar o verbo agradecer. Conheci a gratidão, quando ainda vivia em um interior e via as lágrimas dos cultivador­es da esperança dobrarem os joelhos e acenderem a fé. Procissões lindas. Orações de quem acredita.

Será melhor. A vida será melhor depois dessa passagem. Os acúmulos de aprendizag­ens nos ajudarão a errar menos. E, se errarmos, que não seja um erro que traga dor a quem amamos ou a quem deveríamos amar.

Troquemos de roupa, então. E nos perfumemos com a limpeza necessária de quem só quer fazer o bem.

E preparemos uns dizeres novos para o ano novo que está nascendo.

Seja bem-vindo, 2020, há muita gente esperando por você.

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Gabriel Chalita professor e escritor

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