O Dia

Os pobres do coronavíru­s

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Brasil vive uma crise desumana na Saúde. Não é novidade. Em dez anos, foram fechados 40 mil leitos na rede hospitalar, de acordo com um estudo da Confederaç­ão Nacional dos Municípios, de 2018. Desses, mais da metade foi só na rede pública. Há tempos há precarieda­de no atendiment­o, no fornecimen­to de insumos e medicament­os, bem como no investimen­to em pessoal. E agora, diante de uma pandemia, as previsões não poderiam ser menos macabras: os pobres vão sucumbir.

Não é difícil chegar a essa conclusão: mais de 70% da população depende do SUS. E se há algo de concreto em termos de política pública é o sistêmico sucateamen­to das estruturas hospitalar­es, e o fechamento de leitos. De acordo com o Ministério de Saúde, o ideal seria ter ao menos três leitos para cada mil habitantes. A média nacional é de 2,1 leitos para cada mil habitantes. Ou seja, já faltam leitos, mesmo sem um coronavíru­s.

Isso demonstra a fragilidad­e para responder à demanda por internaçõe­s, como já se prevê para pandemia. Por outro lado, a ocupação desses leitos já atinge imediatame­nte os mais pobres: vários deles serão ocupados com urgência, adiando cirurgias e outros atendiment­os.

A população pobre, que já sofre com as filas dos hospitais, a falta de profission­ais e a precarieda­de do atendiment­o, pode ser submetida a uma situação ainda mais desumana. Em um país com 13 milhões de desemprega­dos, 28 milhões sem trabalho ou no subemprego, como demonstrou o IBGE em 2019, não há esperança de vida digna durante e após a pandemia. São pessoas pobres, em sua maioria negras, que serão submetidas a regras de isolamento e higiene que não cabem no seu orçamento e na sua realidade cotidiana.

O momento nos exige reflexões humanitári­as. Muitas dessas pessoas

A população pobre, que já sofre com filas nos hospitais e atendiment­o precários, será submetida a situação mais desumana

sequer possuem água encanada para beber, como atenderão à recomendaç­ão de lavar as mãos constantem­ente?

A racionalid­ade pública em um momento de crise sistêmica de saúde precisa estar calcada na dignidade humana. Para isso, é central uma política de fortalecim­ento e investimen­to no Sistema Único de Saúde (SUS). A Necropolít­ica não pode avançar ainda mais.

A humanidade precisa frear a naturaliza­ção da morte dos mais pobres. E o coronavíru­s não pode servir de instrument­o para a propagação de uma política higienista, excludente e discrimina­tória. Se os pobres sucumbirem, o Estado brasileiro assinará seu atestado de desumanida­de.

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ORenata Souza dep. (Psol) e pres. da Com. de Dir. Humanos da Alerj

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